19 abril, 2007

Na palma da mão!


É claro que o reconhecimento foi mútuo e imediato. Ao primeiro olhar. É assim que nos reconhecemos nós, os ciganos, mesmo quando os brancos nos confundem com um deles. Porque para toda a gente os ciganos são gente escura... pois fiquem sabendo que há ciganos louros. Os ciganos reconhecem-se, aonde quer que se encontrem, qualquer que seja a língua que falem...
Portanto ela olhou-me com os seus negros olhos, brilhando na cara morena, adornada por longos cabelos negros, bem tratados, bem penteados, com ganchos dourados a condizer com os brincos, com os fios ao pescoço e os outros, enrolados nos braços... Uma teia para apanhar incautos...
Só nós os ciganos temos o dom de encantar (lançar encantamentos) e adivinhar. Somos nós os ciganos que temos o dom de lançar pragas que se concretizam, quando alguém nos prega uma daquelas que não podemos perdoar. Somos nós que sabemos como vai estar o dia amanhã, somos nós que sabemos ler a sina na palma da mão, somos nós que temos o mundo a nossos pés... Somo nós: os ciganos.
Somos nós os eternos viajantes sem rumo, sem país e sem estado. Somos nós que protegemos a nossa família. Somos nós as que lançamos mau olhado a quem deseja os nossos homens... somos nós também que os servimos e por eles somos servidas sem que os brancos se apercebam.
Somos nós que temos o orgulho como dever e não como direito! Somos nós os ciganos... que estamos em toda a parte, em todo o lado a um só tempo. Somos nós os senhores do Tempo. Nós que desdenhamos os bilhetes de identidade, os cartões de contribuinte, os cartões da segurança social... somos nós que sabemos lidar com os governantes de todo e qualquer país. Porque nós temos o mundo, sempre, na palma da mão!

18 abril, 2007

Samba do Grande Amor/A Rosa - Djavan e Chico Buarque

Arrasa o meu projeto de vida
Querida, estrela do meu caminho
Espinho cravado em minha garganta, garganta
A santa às vezes troca meu nome, e some
E some nas altas da madrugada
(A Rosa- Chico Buarque))

O amor é o amor


O amor é o amor - e depois?
Vamos ficar os dois
a imaginar, a imaginar?...
O meu peito contra o teu peito
cortando o mar, cortando o ar.
Num leito
há todo o espaço para amar!
Na nossa carne estamos
sem destino, sem medo, sem pudor,
e trocamos - somos um? somos dois? -
espírito e calor!
O amor é o amor - e depois?
(Alexandre O'Neill)

Passamos a viver de beijos...

Sonhava contigo quando acordei. Dormíamos numa cama enorme no meio de uma floresta. Não havia porta nem parede, nem quarto... apenas nós os dois, beijando-nos com todo o amor que nos une. Fiquei contente porque acordei e tu estavas ali, dormindo com a minha cabeça assente no teu peito, com um rosto calmo e tranquilo. Fiquei contente porque o sonho estava ali ao pé de mim, só que agora com portas e janelas e paredes... e tudo o que faz uma casa...
Um dia destes meu amor, derrubo todas as paredes, todas as portas, deito fora todos os móveis, todos os electrodomésticos. Ficarão apenas os livros, os cd's, os dvd's, a aparelhagem, a TV e o DVD. Ris, sempre que digo isto: mas um dia destes quando entrares em casa julgas que te enganaste na porta. Vais ver como seremos muito mais felizes, apenas os dois entre quatro paredes em vez de uma infinidade de paredes e divisórias e portas que há que ter o cuidado de abrir e fechar... um dia destes derrubo tudo. Derrubo todas as mentiras, todas as infidelidades, todas as deslealdades. Junto tudo num molho e faço uma bela fogueira. Um dia destes viro tudo do avesso e começamos do princípio. Um dia destes crio um vazio e deito tudo o que já vivemos para a fogueira dos desejos que não me abandona nunca.
Um dia destes acabo com os desejos. Um dia destes quebro as amarras. Um dia destes levanto todas as âncoras... e passamos a viver de beijos, meu amor!

17 abril, 2007

Norah Jones - Sunrise

Surprise, surprise
Couldn't find it in your eyes
But I'm sure it's written all over my face
Surprise, surprise
Never something I could hide
When I see we made it through another day

Exercícios ao piano


O calor cola. A tarde arde e arqueja.
Ela arfa, sem querer, nas leves vestes
e num étude enérgico despeja
a impaciência por algo que está prestes
a acontecer: hoje, amanhã, quem sabe
agora mesmo, oculto, do seu lado;
da janela, onde um mundo inteiro cabe,
ela percebe o parque arrebicado.
Desiste, enfim, o olhar distante; cruza
as mãos; desejaria um livro; sente
o aroma dos jasmins, mas o recusa
num gesto brusco. Acha que a faz doente.
(Rainer Maria Rilke)

De vez em apetece: falo de amizade.

O que faz de uma pessoa uma amiga? Minha, claro... porque para muita gente ter amigos é a coisa mais fácil de fazer: mal conhecem alguém e tornam-se imediatamente amigos de infância, geralmente com mais direitos sobre o outro do que com obrigações sobre o mesmo São aquelas pessoas que dizem os amigos dos meus amigos, meus amigos são. E geralmente acham que quando deixam de ser "amigos" dos ditos, os outros também devem acabar por ali com as amizades.
Ora isto é claro que não são amizades. Amizade é quando alguém tem afinidades importantes e incompatibilidades mínimas connosco. É quando até as incompatibilidades nos sabem bem. É quando somos capazes de ouvir alguém falar de si, sem lhe fazermos perguntas. É deixá-lo falar enquanto lhe apetece e tomarmos a palavra quando pressentimos que é isso que lhe apetece. É claro que este tipo de pressentimento só se tem com alguém de quem se é muito próximo.
Não são precisos anos para fazer amigos de verdade. É preciso apenas que se goste daquela pessoa, que se aceite aquela pessoa como ela é (aqui vem a estória das incompatibilidades, e cada um tem as suas)
Eu tenho algumas muito importantes: não tolero a ingratidão, não tolero sentir-me usada, não tolero sentir-me comprada, não tolero que tentem imiscuir-se na minha vida privada...
Talvez por isso, muita gente pense que me conhece e de vez em quando cai "de rabo", porque de mim quem sabe sou eu e um círculo tão diminuto de pessoas, em que certamente não entra quem julga que se pode tornar minha amiga tornando-se amiga dos meus amigos.
São os percalços desta vida. E por aqui me fico que tenho mesmo que ir ajudar uma AMIGA! Até amanhã, camaradas.
NOTA IMPORTANTE: esta croniqueta é para a AMIGA que vou tentar ajudar agora. Não digo o nome porque não hoje me apetece. Mas ela receberá esta crónica, não se ralem...

16 abril, 2007

You're Gorgeous - Babybird

You said my clothes were sexy
You tore away my shirt
You rubbed an ice cube on my chest
Snapped me till it hurt
Because you're gorgeous

I'd do anything for you

Hora grave


Quem agora chora em algum lugar do mundo,
Sem razão chora no mundo,
Chora por mim.

Quem agora ri em algum lugar na noite,
Sem razão ri dentro da noite,
Ri-se de mim.

Quem agora caminha em algum lugar no mundo,
Sem razão caminha no mundo,
Vem a mim.

Quem agora morre em algum lugar no mundo,
Sem razão morre no mundo,
Olha para mim.

(Rainer Maria Rilke)

É a vida...

Falemos pois de livros. Da paixão que os livros despertam ou daquilo a que as pessoas se referem como tal.
A verdade é que o livro ainda é um objecto muito mal amado em Portugal. As pessoas dizem que gostam de ler, mas não lêem. Ou lêem muito de vez em quando, quando estão de férias. E sobretudo não compram ou compram muito poucos livros. Quando lhes apetece ler alguma coisa, pedem emprestado a quem sabem que tem... e tem porque compra. E compra, não porque tenha mais dinheiro que os outros, mas porque o livro é para ela uma prioridade. É preferível ter menos uns pares de calças ou camisolas e investir em livros. A roupa passa de moda, os livros não. Podemos lê-los, relê-los, emprestá-los, discuti-los, tornarmo-nos fãs e até amigos dos seus autores.
Há ainda um tipo de pessoas que compra alguns livros, como quem compra bibelots. Aquela capa fica bem naquela estante, portanto vou comprar... aqui há uns anos, não sei se isso ainda acontece, encontravam-se à venda apenas as capas dos livros mais conhecidos do mundo. Daqueles que se considera que todos deviam ter lido. Só as capas. Leves portanto, bibelots para as estantes, mas julgo que tão ou mais caros que os livros de verdade. É claro que não tinham centenas de páginas de que é preciso cuidar com amor para que não se degradem rapidamente. Porque todos sabemos que o papel é uma matéria frágil e facilmente corrosível por vários ambientes.
E há também aqueles para quem os que gostam de ler são quase criminosos. São gente que não bate bem da pinha, de quem se pode esperar todas as barbaridades. São realmente perigosos, porque são gente que pensa com a própria cabeça. Não se distrai a ler revistas e a ouvir uns intelectuais na televisão, para decorar meia dúzia de chavões que lhes saem depois pela boca fora, como expressões inteligentes de quem é muito culto, porque leu muito...
Enfim... como diria o barão de Munchaussen "é a vida: custa a todos; custa a mim, custa a ti, custa a ele..."

15 abril, 2007

O Bebado e o Equilibrista - Elis Regina

E em cada passo dessa linha pode se ma...chu...car
Azar, a esperança equilibrista
Sabe que o show de todo artista
tem que continuar

Oa Animais


Vejo ao longe os meus dóceis animais.
São altos e as suas crinas ardem.
Correm à procura duma fonte,
a púrpura farejam entre juncos quebrados.

A própria sombra bebem devagar.
De vez em quando erguem a cabeça.
Olham de perfil, quase felizes
de ser tão leve o ar.

Encostam o focinho perto dos teus flancos,
onde a erva do corpo é mais confusa,
e como quem se aquece ao sol
respiram lentamente, apaziguados.

(Eugénio de Andrade)

Com todo o meu carinho e compreensão...

Não sei porque é que Paulo Portas, o homem das feiras e Marques Mendes, a miniatura ou terminação (como lhe chamou um dos nossos mais exemplares cidadãos do norte), se cansam a tentar fazer oposição ao governo. Para já não falar do BE... que anda demasiado sossegadinho para o meu gosto!Na verdade a oposição ao governo existe e tem um nome "Gato Fedorento". Há quatro homens que dão a cara por este verdadeiro partido da oposição, mas muitos mais, homens e mulheres nas fileiras deste verdadeiro partido.
Ainda por cima este novo partido tem o poder de fazer rir. Faz oposição com humor. Se concorrerem às próximas eleições mudo o meu sentido de voto.
A outra oposição que existe, sobretudo a Sócrates, o José bem entendido, é feita aqui, na blogoesfera. Na sua entrevista à RTP admitiu que são milhares os blogues que o insultam, que o tratam mal, que levantam suspeitas sobre a sua pessoa... Admitiu que nunca apresentou queixa por estas manifestações da blogoesfera mas não descartou a ideia de que o possa fazer um dia. Como quem diz "tenham cuidadinho daqui por diante, que eu tenho mau feitio e se um dia me chatear a sério, (espero que ele não caia no "à séria", que isso já seria um bocadinho demais, para quem é tão rigoroso!) vai tudo raso: levo a blogoesfera a tribunal e acabo de vez com essa javardice que é a NET em Portugal. A NET serve para o "simplex" e mais nada".
Enquanto isso não acontece, vão crescendo como cogumelos os blogs só para lhe dar cabo da paciência, engenheiro do meu coração... mesmo que não seja, será sempre o meu engenheiro!

14 abril, 2007

Trouble - Coldplay

I never meant to cause you trouble
And I never mean to do you wrong,
And I, well if I ever caused you trouble
Oh no, I never mean to do you harm

A Paixão


Levanto a custo os olhos da página;
ardem;
ardem cegos de tanta neve.
Faz dó esta paixão pelo silêncio,
pelo sussurro do silêncio,
pelo ardor
do silêncio que só os dedos adivinham.
Cegos, também.
(Eugénio de Andrade)

Conversa de fim de semana


Passei pela gaveta do Paulo, mas não tinha nada de novo. Gosto do Paulo Kellerman. Gosto da sua escrita. Gosto da maneira simples como põe as coisas no papel. As coisas que todos sentimos, as coisas porque todos passamos. Arranjar personagens nem sempre é fácil. Misturar realidade e imaginação é ainda mais difícil. Para o Paulo parece fácil. Ainda bem. Muita gente diz que escrever é doloroso. Se me doesse escrever não escreveria nunca. Não tenho a mínima vocação para o masoquismo.
Escrever para mim é um prazer. Ainda que tenha consciência de que o que escrevo não tem qualquer valor para os outros, tem para mim. Porque é um prazer pelo qual ainda não tenho que pagar... E também não me cansa. Qualquer coisa que me saia com esforço, não presta. A escrita só me sai bem quando e escorrega dos dedos sem ter que a pensar, sem ter que me preocupar em emendar.
Já disse várias vezes que não emendo o que escrevo. Fica como está. Ás vezes depois de publicado penso que não o deveria ter feito. Ainda bem que publico primeiro e releio depois... Assim não há a tentação de deitar fora. As palavras não são minhas, não são de quem as escreve, mas de quem as lê. Assim são os livros. É por isso que nunca sei a quem emprestei o quê. Os livros servem para circular. Se mos trazem de volta, e quase sempre trazem, têm quase sempre alguém à espera que de os levar.
um dia destes continuarei a falar aqui de livros. Por hoje fico-me por aqui, porque não era nada disto que eu queria dizer, mas foi o que eu disse. E isso é que conta. É o que fica. Tudo o resto é conversa fiada...
Vou continuar a ouvir, "as palavras que nunca te direi". Talvez um dia destes também conte à minha maneira a estória deste CD que é único no mundo. Foi feito para mim e isso é algo de que eu me posso felicitar...

13 abril, 2007

Caminho das Águas - Maria Rita

Leva no teu bumbar, me leva
Leva que quero ver meu pai
Caminho bordado à fé, caminho das águas
Me leva que quero ver meu pai.

Março voltou


Março voltou, esta
ácida loucura de pássaros
está outra vez à nossa porta,
o ar

de vidro vai direito ao coração.
Também elas cantam, as montanhas:
somente nenhum de nós
as ouve, distraídos

com o monótono silabar do vento
ou doutros peregrinos.
Já sabeis como temos ainda restos
de pudor.

e pelo mundo uma enorme,
enorme indiferença.

(Eugénio de Andrade)

Maneiras de viver.

Há gente que aprendeu a viver da compaixão dos outros. Choram, lamentam-se, contam umas estórias que, às vezes não se sabe muito bem se são verdade ou não. O que importa é que as contem bem contadas, para poderem viver à custa da piedade dos papalvos que vão engolindo estórias. Vivem a vida inteira disto e conseguem até certo ponto fazer passar a mensagem de que apesar das suas dificuldades são dignos e nunca tiveram a ajuda de ninguém.
Choramingam constantemente por uma ajuda e quando a conseguem representam bem a humildade do agradecimento. Depois saem dali e vão gastar a ajuda para bens essenciais em supérfluos que, quem os ajudou não pode ter.
Têm geralmente o nome mais sujo que uma lixeira mas armam-se em grandes senhores(as). Quem os ouve não os leva presos. São gente digna que não deve nada a ninguém. Têm uma vida pobre, mas felizmente ainda vai chegando para um bom plasma, um bom PC, uma ligação como deve ser à NET, uns perfumes cheirosos, uns cosméticos de marca, umas idas ao cinema, uns MP3 razoáveis, uns telemóveis com câmara... enfim: pequenas coisas, sem as quais gente de berço não pode viver.
Se as dívidas se acumulam paciência. Se o senhorio está a arder com uma série de rendas de casa em atraso (enfim, ele terá com certeza outros rendimentos, pode esperar, por dias melhores). Essencial é ter dinheiro para o tabaco e para o café. Para almoçar fora (e jantar também se possível), que isto de fazer refeições é uma trabalheira...
E o emprego? Bem aí a coisa é fácil de levar e vai-se levando... Um gemido aqui, um ai acolá e sempre há-de aparecer uma alma generosa que faça o trabalhinho. Afinal de contas andaram à procura de emprego e não de trabalho. E acharam-no com a graça de deus. Que sempre haverá outros papalvos a quem enganar quando estes perceberem o logro em que caíram.

12 abril, 2007

Cantata da Paz - Sophia de Mello Breyner Andressen

Vemos, ouvimos e lemos
Não podemos ignorar
Vemos, ouvimos e lemos
Não podemos ignorar