30 junho, 2006

Corram-no à pedrada


Na capital do Norte, a cidade do Porto, há um alcaide. Chama-se Rui Rio. E é um senhor alcaide. Daqueles personagens que deslindamos, nos romances do século passado, de Luís Sepúlveda, por exemplo.
O homem tem um ar simpático, é sorridente mas trama pela calada. Confesso que fiquei contente quando ele "roubou" a Cãmara ao Fernando Gomes (só para lhe tirar as peneiras!). Mas é claro que as atitudes que tem tomado ao longo do tempo são perfeitamente inaceitaveis, num país que se diz democrático.
O senhor alcaide faz-me lembrar uma velha tia minha. Não gosto de convocar os mortos, mas ela já morreu há tanto tempo e já era tão velha quando morreu, que com certeza, não vai dar por nada. E o que os olhos não veêm, o coração não sente, diz o povo que é o mais sábio de todos. Pois essa tia, tentava comprar as pessoas com dinheiro. E muita gente se vendeu a ela e dela ficou refém para o resto da vida. Não sabia essa senhora viver de outra maneira. Sempre que precisava de alguma coisa, comprava a pessoa que lhe podia facilitar a vida. Como se viu, morreu como qualquer comum mortal, e todo o dinheiro que conseguiu, com as suas negociatas está ainda por herdar, uma vez que as demandas em Tribunal são mais que muitas.
O que é certo é que muita gente que a odiava, fingia gostar dela, porque tinha sido paga para isso. Forjaram-se mesmo estórias, acerca da sua bondade, que à força de serem repetidas, anos a fio, se tornaram verdade... A tal história da mentira que à força de repetida se torna verdade....
Pois o senhor Rui Rio quer pagar para que não se diga mal da Câmara do Porto. O que é que o senhor atirou para debaixo do tapete? Que mistérios cabeludos pretende esconder dos olhos da malta?
Acha que está num país sul americano, o "señor" Rio. E vem dizer que o que o protocolo pretende estabelecer, são boas maneiras? Que sabe o senhor de boas maneiras? Acha que tentar privar as pessoas de uma das regras fundamentais da democracia, a liberdade de expressão, faz parte do cardápio das boas maneiras? Vem falar de princípios? O senhor Rio tem princípios? Tenho impressão que ninguém por aqui aqui deu por isso...
Senhor Rio: o senhor ultrapassa-se! Realmente parece que não aprendeu nada nas pistas de atletismo. E olhe que isso não é bom sinal... Não é não! Não lhe quero chamar nomes feios, uma vez que se trata de boas maneiras... mas que o senhor deve ter um déficit cerebral, que o impede de aprender o que devia... lá isso tem!
Só espero que os dirigentes dos organismos a subsidiar não se curvem... Não se vendam... Quando tiverem que dizer mal, digam. E se for preciso "corram-no à pedrada", como sugeriu o outro, o Ruas.

29 junho, 2006

Um miúdo muito fixe!


Gosto muito de atletismo. O tempo que a maioria dos portugueses passa a ver futebol, passo eu a ver provas de atletismo, quando são transmitidas pela TV. O que é raro. Acontece apenas quando se trata de provas europeias, mundiais ou olímpicas e aquelas maratonas que se vão fazendo, aqui mesmo pelo país, sobretudo as mais emblemáticas que são as das pontes de Lisboa. Uma vez por outra transmitem um corta mato e pronto.
E nunca percebi muito bem porque é que o atletismo é tratado como parente pobre em Portugal, quando é a modalidade que mais alegrias tem dado aos portugueses: quem esquecerá alguma vez Carlos Lopes ou Rosa Mota, por exemplo. Duas pessoas que são exemplos da tenacidade, do esforço, da luta necessários para alcançar medalhas de ouro em provas internacionais, sem qualquer tipo de apoio sério.
Pois bem: somos campeões da Europa dos 100 metros graças a Francis Obikwelu. Portugal é campeão da Europa graças ao africano, Obikwelu, nascido mais exactamente na Nigéria. A desclassificação de Dwain Chambers, por prática de dopping, guindou Francis para o primeiro lugar e respectiva medalha de ouro.
Francis está em Portugal desde os 16 anos. Veio correr uma prova de 400 metros e não voltou à Nigéria.
Nem o Benfica nem o Sorting o quiseram apoiar quando lhes bateu à porta, porque era um ilegal, um clandestino.
Foi trabalhar para as obras, comeu o pão que o diabo amassou até ser descoberto e "adoptado" por Isabel Ferreira, dirigente do Belenenses. Foi ela que o animou e mimou e iniciou o processo de naturalização.
Francis fala mal português. Mas fala como se tivesse realmente nascido em Portugal. Mais. Fala como se Portugal tivesse feito alguma coisa por ele.
Não fez. O meu país não fez nada por ti, Francis. Quem fez alguma coisa por ti foi essa mulher admiravel, que tratas como a uma mãe, porque és um miúdo grato, és um miúdo com caracter, és um miúdo porreiro.
Mas deste uma medalha de ouro a Portugal. Nos 100 metros. És um velocista, com muita garra. Não sei se Portugal saberá algum dia retribuir (pense nisto senhor engenheiro, uma vez que até gosta e pratica a modalidade), mas estou certa que os portugueses como eu, os que não se incomodam com a vinda de estrangeiros, os que agradecem a todos os que vêm por bem, os que vos recebem de braços abertos, sejam negros, amarelos ou brancos, nós agradecemos-te e a todos que, estando cá há meia dúzia de anos amam este país que nem sempre os sabe respeitar, não lhes reconhecendo os mesmos direitos enquanto trabalhadores, dificultando muitas vezes a entrada das suas crianças nas escolas, explorando ou fechando os olhos a situações de exploração.
Obrigada Francis. Obrigada a todos os Francis, Markus, Fong, Andrades que "invadem" o nosso país todos os dias.
"Traz outro amigo também. Seja bem vindo quem vier por bem"

28 junho, 2006

Quase


Um pouco mais de sol - eu era brasa,
Um pouco mais de azul - eu era além.
Para atingir, faltou-me um golpe de asa...
Se ao menos eu permanecesse aquém...

Assombro ou paz? Em vão... Tudo esvaído
Num baixo mar enganador de espuma;
E o grande sonho despertado em bruma,
O grande sonho - ó dor! - quase vivido...

Quase o amor, quase o triunfo e a chama,
Quase o princípio e o fim - quase a expansão...
Mas na minh'alma tudo se derrama...
Entanto nada foi só ilusão!

De tudo houve um começo... e tudo errou...
- Ai a dor de ser - quase, dor sem fim... -
Eu falhei-me entre os mais, falhei em mim,
Asa que se elançou mas não voou...

Momentos de alma que desbaratei...
Templos aonde nunca pus um altar...
Rios que perdi sem os levar ao mar...
Ânsias que foram mas que não fixei...

Se me vagueio, encontro só indícios...
Ogivas para o sol - vejo-as cerradas;
E mãos de herói, sem fé, acobardadas,
Puseram grades sobre os precipícios...

Num ímpeto difuso de quebranto,
Tudo encetei e nada possuí...
Hoje, de mim, só resta o desencanto
Das coisas que beijei mas não vivi...

Um pouco mais de sol - e fora brasa,

Um pouco mais de azul - e fora além.
Para atingir, faltou-me um golpe de asa...
Se ao menos eu permanecesse aquém...

(Mário de Sá Carneiro, Paris, 13-5-1913)

Corram-nos à pedrada!


Tenho tanto orgulho no meu país! Tanto orgulho que os meus olhos ficam rasos de água de cada vez que penso na sorte que tive, por ter nascido neste país tão pequenino, mas simpático, bem disposto, alegre...
Um país de gente bem disposta que adora dar entrevistas e marcar posições, para logo a seguir, quando se sentem acossados, voltarem com a palavra atrás e dizerem que usaram apenas "forças de expressão". Um país de brincalhões...
Vem isto a propósito da entrevista dada pelo senhor Fernando Ruas, presidente da Associação Nacional de Municípios Portugueses a uma rádio de Viseu, incitando os autarcas a "correrem à pedrada" os fiscais do Ministério do Ambiente. Disse-o por duas vezes que eu ouvisse, assim como disse que estava a medir bem as suas palavras.
Acontece que o meu coração ficou dividido, logo ali, como duas metades de uma mesma laranja, pobre de mim. Se por um lado a ideia de correr fiscais (sejam de que Ministério forem), à pedrada, me agrada imenso, (faz-me lembrar os bons tempos da padeira de Aljubarrota, ah isso é que eram bons tempos!), por outro, o meu coração confrange-se só de pensar nos homens (os tais fiscais) a correrem a sete pés das multidões de autarcas... Não conseguem ver o filme? Uma cena tipo Vitorino de Almeida, é assim que eu imagino isto (um dia destes ainda faço um pé de dança no cinema).
Gostei de o ouvir, senhor presidente dos autarcas deste país tão sossegadinho e à beira mar plantadinho... É assim mesmo. Esses senhores do Ambiente o que querem é chatear e evitar o desenvolvimento das autarquias. O que eles querem é mais uns cobres para encher os bolsos do Ministério das Finanças... tem toda a razão quando quer correr com essa cambada à pedrada. E tem toda a razão quando pede a união dos autarcas. Unidos vencerão!
Agora do que eu não gostei foi de o ouvir desdizer-se, quando o Ministro do Ambiente sugeriu que o senhor presidente apresentasse um pedido de desculpas. Não gostei de o ouvir dizer que foi apenas uma força de expressão! Não gostei... não lhe fica bem.
Porque no fundo, ao dizer que não disse o que disse, o senhor está a pedir desculpas, não de pé como um homem mas de gatas como um bicho... não qualquer bicho é evidente, que a maioria dos animais têm a espinha dorsal mais direitinha que a maioria dos homens (faço a gentileza, desta vez, de o incluir neste grupo).
Cá está mais um caso a incluir na história das lentilhas... o homem não quer perder o tachito, nem que para isso tenha que deixar de ser homem e passar a ser... um qualquer doméstico (excepção aos gatos, que esses por mais caseiros, mantêm a espinha direita, mesmo quando a arqueiam...)
Não pode é deixar de ser o presidente! E mais nada!!!!!

27 junho, 2006

Email aberto ao Senhor Engenheiro Sócrates (C/c Ministro Teixeira dos Santos)


Começo por apresentar os meus respeitosos cumprimentos a V. Exª.
Espero ter a honra de ser das primeiras cidadãs(ãos) deste país a usar o simplex. Como não sei o seu endereço electrónico, uso esta via aberta para lhe apresentar os meus parabéns, por ideias tão absolutamente geniais. Não fosse o facto de na prática não funcionarem, diria mesmo que se trata de planos fabulosos, dignos de prémios por parte da União Europeia e outros afins...
Mas vou começar por me apresentar, já que tanto gosto de falar de boas maneiras (que é outra coisa que penso que o senhor deveria implementar, a começar por si).
Sou uma honesta e cumpridora cidadã deste país e vivo nos arredores de Lisboa, como milhares de outros cidadãos. Tenho (sempre tive) as minhas contas com o fisco em dia. Posso não ter dinheiro para o supermercado mas para pagar ao senhor Fisco tem sempre que chegar. Até porque os senhores são muito melhores que eu em Matemática e, se dizem que eu tenho de pagar x é porque eu tenho que pagar x, nem um cêntimo a mais, nem um cêntimo a menos (e mais nada!) E somos todos pessoas de bem, portanto... (somos?... se calhar estou a exagerar no plural.)
Pois como ia dizendo, senhor engenheiro (desculpe não usar maiúsculas, mas é para poupar um pouquinho mais), sou uma cidadã exemplar! (Já que ninguém me elogia...). Tão exemplar que até sei usar as novas tecnologias, estou prontíssima para a revolução (estava já cheia de saudades do 25 de Abril), ainda bem que se lembrou de a fazer agora. Apresento-me já nas primeiras fileiras, pronta a dar o corpo e a alma por tão nobre desígnio. Conte pois comigo: sei usar o correio electrónico, sei abrir e fechar o mesmo, deitá-lo fora, até sei o que é o spam! Veja lá o senhor engenheiro (mais uma vez as minhas desculpas), tudo o que eu sei! Sou até capaz de ligar o computador e de o desligar! Mas muito mais do que isso, estou inscrita há anos na página electrónica da DGCI! Entrego o IRS via internet, pois então... também sei que o senhor não esperaria de mim outra coisa, conhecendo-me como conhece...
E é por isso que eu estou muito aborrecida consigo e com o seu colega das finanças... É que estou mesmo muito aborrecida!
Passo a explicar porque não quero que o senhor fique com a impressão que eu estou aborrecida só para chatear! Eu sei que dei azo muitas vezes a que o senhor tenha pensamentos menos bons a meu respeito, mas olhe que eu sou uma rapariga da sua idade e portanto vivi o mesmo que o senhor (só com algumas dificuladezinhas a mais, mas isso é coisa de pouca monta e que não interessa nada agora - quem é que isto me faz lembrar?), portanto vamos ao que importa.
Tenho a honra de informar que tenho um pequeno veículo de quatro rodas, que uso assim quando recebo o subsídio de férias (ao preço a que a gasolina está, qualquer dia não sei conduzir!), e outras ocasiões especiais, o senhor sabe como é, a gente faz-lhe a vontade e poupa mais que pode para poder pagar tudo ao senhor Fisco.
Ora com já disse não gosto de dever nada ao Fisco (aos particulares vá que não vá, mas a ele não). Por isso, e como sou uma mulher do seu tempo e portanto deste nosso século XXI, tentei já uma dúzia de vezes, usar essa maravilhosa página do sítio das finanças (bem sei que site é mais chic, mas no fundo não passo de uma pobre, pobríssima proletária), sem êxito. Pedem-me muita desculpa mas, depois de me dizerem que já é possível pagar o imposto municipal de veículos, dizem-me que não é possível satisfazer o meu pedido! Lá vou ter que ir à tabacaria de novo...
Pois é com material assim que tenciona implementar a revolução tecnológica, o simplex, o que queira chamar-lhe?
Quero-lhe muito bem, senhor engenheiro, pois é um perfeito homem e ainda por cima usa esses fatos italianos que lhe assentam como uma luva... Bem sei que o seu perfil é dos piores que tenho visto em dias de minha vida, mas pronto, desde que se apresente de frente, fica muito bem quer na TV quer nos retratos... muito bem mesmo! E é por isso que estou aqui senhor engenheiro, para o prevenir de que alguém o anda a tramar pelas costas.
Vá por mim, veja quem são os sabotadores e quando eu puder pagar o selozinho no sítio aqui ao lado, por favor mande-me um aviso para a caixa de correio que os CTT criaram para mim, a seu pedido. Estou tão agradecida por não me ter esquecido senhor engenheiro... Até as lágrimas me enchem os olhos só de pensar nessa sua preocupação comigo e com os outros mais ou menos dez milhões de portugueses mal agradecidos deste país.
Bem haja! E fico então à espera do avisozinho (se não for dar muito trabalho!)

26 junho, 2006

Esquadros






Eu ando pelo mundo prestando atenção
em cores que eu não sei o nome
cores de Almodóvar
cores de Frida Kahlo, cores
passeio pelo escuro
eu presto muita atenção no que meu irmão ouve
e como uma segunda pele, um calo, uma casca,
uma cápsula protetora
eu quero chegar antes
pra sinalizar o estar de cada coisa
filtrar seus graus

Eu ando pelo mundo divertindo gente
chorando ao telefone
e vendo doer a fome nos meninos que têm fome
pela janela do quarto
pela janela do carro
pela tela, pela janela
(quem é ela, quem é ela?)
eu vejo tudo enquadrado
remoto controle

Eu ando pelo mundo
e os automóveis correm para quê?
as crianças correm para onde?
transito entre dois lados de um lado
eu gosto de opostos
exponho o meu modo, me mostro
eu canto pra quem?
pela janela do quarto
pela janela do carro
pela tela, pela janela
(quem é ela, quem é ela?)
eu vejo tudo enquadrado
remoto controle

Eu ando pelo mundo e meus amigos, cadê?
minha alegria, meu cansaço?
meu amor cadê você?
eu acordei
não tem ninguém ao lado
pela janela do quarto
pela janela do carro
pela tela, pela janela
(quem é ela, quem é ela?)

(Adriana Calcanhoto - in Público)

Uma mão cheia de nada...

Estava há pouco pensando com os meus botões, porque raio há alturas da nossa vida em que nos encantamos por pessoas que acabamos de conhecer ou que conhecemos desde sempre, sem que o fenómeno tenha acontecido...
Não sou com certeza diferente da maioria das pessoas e sei que me é muito fácil entrar na fase "encantamento" quando estou muito fragilizada... o diabo é que saio do encantamento como entro: em dois segundos!
Entrei há um bom par de anos na fase do "não presta". Isto é: preciso de muito para me encantar com alguém e de muito pouco para me desencantar. A vida devia ter-me ensinado a dar segundas oportunidades, mas não ensinou. Ou eu não fui capaz (pelo menos por enquanto), de aprender.
Como já perceberam não estou contente comigo. Nada contente mesmo. Fez-me falta uma boa catequese, uma missa dominical, um bom sermão diário... Mas fui criada como qualquer filha de ateus: sem rei nem roque. E foi no que deu... (espero que não ser levada ao pé da letra, os meus pais fizeram o melhor possível, disso não tenho dúvida, mas que fazer de uma rebelde?)
Eu bem me digo, tem calma rapariga, as pessoas não são deuses, têm pés de barro com tu. Mas então? Acham que me dou ouvidos? Claro que não. Nem a mim nem a ninguém.
Olho à minha volta e exijo. Mas tenho eu condições de exigir alguma coisa?
Tenho sim! Tenho o direito de exigir dos outros o mesmo que lhes dou: amizade, lealdade, atenção, apoio sempre que de mim necessitam. Tenho o direito de exigir que as palavras não fiquem a pairar, muito lindas mas sem préstimo algum.
Estou cansada de tanto blá, blá, blá sobre a amizade e depois quando precisamos dos amigos, que é feito deles? Estão ocupados, as famílias precisam deles, o trabalho é muito, foram de férias...
O que é que eu estive para aqui a dizer? Vocês não liguem. Está tudo bem comigo... Quem está com problemas é o outro eu. Mas não tem os sete alqueires bem medidos, já deram por isso... portanto não liguem. Ela é mesmo assim: chata de fazer doer.
O facto é que tenho uma mão cheia de nada e outra de coisa nenhuma!
Tenham uma boa noite.

25 junho, 2006

Portugal está nos 1/4 de final.


Estamos no intervalo do Portugal 1 - Holanda 0. Costinha foi expulso por acumulação de amarelos. De quem é a culpa? Adivinhem... , vá lá... é tão fácil: do Scollari, claro!
O Felipão deu instruções claras ao Costinha para cometer faltas que lhe dessem direito a ter cartões amarelos. Por outro lado, parece que o próprio Costinha é adepto dos amarelos... acho que simpatiza com a cor... como diz o outro é uma cor como qualquer outra, e dá acesso ao vermelho que até é a cor da nossa bandeira... tudo nos conformes portanto.
Daqui a pouco, quando o jogo acabar volto, para acabar esta coisa. Não percebo nada de futebol, mas estou a torcer para que Portugal não sofra nenhum golo e se aguente com a equipa reduzida, e se não for pedir muito, gostava que marcassem mais um golo, só para a minha taquicardia ficar mais sossegadinha. Pode ser? A ver vamos.
Acabou... e ia acabando comigo. Mas pronto, já passou.
Quero aqui agradecer ao Figo (és lindo, és um histórico, és o meu herói e quando acabares a carreira de futebolista podes tentar outra, que eu não vou dizer aqui qual é, porque parece mal). Obrigada Figo pelos momentos em que conseguiste a igualdade numérica no campo. Em tudo na vida a experiência é uma mais valia. E o Figo é sem dúvida uma mais valia na nossa selecção e ainda por cima um colírio para os meus olhos.
O árbitro é um homem colorido: distribuiu amarelos e vermelhos com uma satisfação quase sádica. Será que entrou para o Guiness? Se não conseguiu esteve perto concerteza.
A festa está na rua. Não sei até que horas durará, mas sem dúvida há boas razões para festejar. Por aqui me fico com a secreta esperança de voltar a escrever sobre futebol, quando Portugal jogar com o Reino Unido.
Parabéns à selecção de Scollari e ao Figo em particular!

Uns Versos

Sou sua noite, sou seu quarto
Se você quiser dormir
Eu me despeço
Eu em pedaços
Como um silêncio ao contrário
Enquanto espero
Escrevo uns versos
Depois rasgo
Sou seu fado, sou seu bardo
Se você quiser ouvir
O seu eunuco, o seu soprano
Um seu arauto
Eu sou o sol da sua noite em claro,
Um rádio
Eu sou pelo avesso sua pele
O seu casaco
Se você vai sair
O seu asfalto
Se você vai sair
Eu chovo
Sobre o seu cabelo pelo seu itinerário
Sou eu o seu paradeiro
Em uns versos que eu escrevo
Depois rasgo
E depois rasgo
(Adriana Calcanhoto - Público)

24 junho, 2006

O cantinho do sossego


Chego ao fim de uma semana de seis dias, completamente estoirada... Para ajudar à festa ando a dormir pouco ou nada há demasiado tempo. Mas enfim... quem corre por gosto não cansa. E este é o meu cantinho do sossego, o meu espaço do interior para o exterior, o meu psicanalista pessoal... é o único espaço onde consigo mostrar-me pelo avesso, se é que alguém vai entender o que eu quero dizer.
Antes de entrar aqui no meu canto, fui espreitar a casa de um vizinho. Apercebi-me que ele excluiu a segunda e última postagem que tinha feito. Se me estiveres a ler vizinho, diz-me: costumas arrepender-te de tudo o que fazes assim com essa rapidez toda? Porque limpaste o que tinhas escrito? Não era verdade? Creio que anda por aí algum sentimento semelhante à vergonha, e se for este o caso aproveito para te dizer que não tens razão para te envergonhares do que escreveste. Amar, na tua idade é uma coisa linda (é linda em qualquer idade, desde que se acredite, claro!). E se a tua amada souber que gostas tanto dela, acabará por abrir um espaço para ti.
Feito este parêntesis, dirigido ao meu vizinho, aproveito para falar de arrependimento.
Não gosto da palavra. É arrevesada! Faz-me lembrar salas de catequese aonde nunca estive. Faz-me lembrar o velho da catedral da Guarda! (claro que não sabem do que estou a falar, um dia destes eu conto e ficam a saber).
Não me lembro de me arrepender do que quer que fosse que tenha feito. Posso até pensar que se calhar não fiz o que devia, se calhar magoei alguém, se calhar vou magoar-me... mas arrepender-me mesmo, não! Fiz está feito e ponto final. Disse, está dito, paciência.
Faço o que me dá na real gana a maior parte das vezes, sem olhar para trás. Quando entrei nos 40, decidi que tinha chegado à maioridade e adquirido o direito de fazer o que me apetecesse. É claro que não saí por aí aos tiros em quem não gosto. Bem me apetece às vezes mas não perdi de todo a sensatez. Ganhei foi a minha liberdade! Ganhei espaço! Conquistei novos amigos, novos interesses, novos horizontes... a vida é uma aliada, os anos que nos vão deixando marcas são nossos amigos, saber envelhecer e disso tirar o melhor partido é a maior sabedoria que algum de nós pode desejar. Viver mais devagar, saborear cada pedacinho é o meu próximo objectivo. Se houver por aí alguém que me queira acompanhar é favor ligar para o 000 000 000 (claro que o nº não existe!, isto não são os classificados Ocasião!).
Este cantinho faz parte desta nova vida que conquistei. Sem ele não estaria tão inteira, tão atenta ao que se passa à minha volta, às cores que me rodeiam. Escrever para mim, não me dava esta sensação que eu tenho, agora que sei que há alguém do lado de lá que vai ouvir o que escrevo, (ouvir, pois, não é engano, foi o que eu quis escrever) que vai gostar ou não, que vai rir ou chorar, achar que tenho piada ou perguntar-se porque raio teimo em escrever...

23 junho, 2006

A Geração Resumo

Um jovem senhor, professor de línguas e informática num liceu senegalês de uma pequena cidade do sul daquele país, com quem costumo trocar emails, criou o seu próprio blog (ver link neste artigo) e teve a gentileza de me enviar o endereço e pedir que postasse os meus comentários. Assim fiz.
Em troca, recebi pela primeira vez deste jovem, um comentário, ao que ontem escrevi.
Conforme podem ler (se quiserem fazer o favor de se darem ao trabalho), este jovem queixa-se de que eu escrevo coisas muito extensas e que uma vez que ele tem muita falta de tempo, tem dificuldade em ler diariamente o que escrevo e responder. Já lhe respondi pessoalmente por email.
Este jovem faz parte da "geração resumo". Pensava eu que era uma geração apenas existente em Portugal, mas enganei-me.
Esta geração não lê obras literárias: lê resumos. Quanto mais curtos melhores. Se forem resumos de resumos, melhor ainda!
Apercebi-me deste fenómeno um dia destes, ao assistir na TV a uma reportagem sobre os exames de Português. Não ouvi um único jovem dizer que tinha lido a obra "O Memorial do Convento"! Um só! Não sei se José Saramago assistiu à reportagem, mas deixa lá Saramago... ainda que toda a gente desate a ler a tua obra (que mereceu um Nobel, não é para qualquer um!), em resumos resumidos, eu continuarei a comprar e a ler os teus romances, de fio a pavio, gozando cada palavra, cada sílaba desta língua que tu sabes usar tão bem. E bem sabes, isto não é como o teatro. Basta saber que há uma pessoa que nos lê. Vale a pena escrever, nem que seja para uma pessoa apenas... mais tarde ou mais cedo, a coisa vai passando de boca em boca, e passam a ser dois e três e por aí adiante. Portanto continua a escrever que eu estou aqui para te ler. E mais alguns que nunca se habituarão a ler obras resumidas.
Alguns como eu que amam as palavras. Que acham que vale a pena ler, escrever, falar, comentar... pois para alguma coisa hão-de servir os sentidos com que nascemos.
Como é possível fazer da literatura o que se fez com a culinária: "fast food"?
A obesidade tornou-se uma doença do domínio da saúde pública. O governo toma as suas medidas (parece-me que afinal já não quer pagar as bandas gástricas, mas não quero agora ir por aí), porque os obesos acabam por dar nas vistas, de tão grandes... Mas enfim, a mal ou a bem parece que a coisa tem remédio, basta a pessoa consciencializar-se e querer tratar-se...
E com a leitura de resumos o que se fará? O que se fez para já, parece-me que foi um teste de Português com respostas de escolha múltipla. Provavelmente foi a maneira encontrada para que não se perceba que os alunos que terminam o secundário em Portugal, não sabem Português, como também não sabem Matemática. Como é que alguém incapaz de interpretar o que quer que seja, consegue perceber o enunciado de um problema de Matemática?!
Será que conseguiremos ao menos fazer destes jovens uma geração de peritos (especialistas no que quer que seja...)? Não acredito. Mas mesmo que isso seja possível o nosso Mundo ficará cada vez mais desinteressante...
A solução será talvez a criação de clubes. E assim poderá ser criado por exemplo, o clube da Medicina, que organizará o respectivo campeonato de medicina geral, oftalmologia, dermatologia, otorrinolaringologia e por aí fora... E assim por diante para o Direito, a Geografia, a Sociologia, etc, etc. É que daqui a nada cada um só saberá falar de um tema, aquele para o qual foi instruído: estou a criar um cenário robótico, bem sei, mas é para aí que a imaginação me leva, que hei-de fazer?
O que me parece é que pelo caminho que isto leva, não conseguirei sócios suficientes para um clube de leitura... "Balha-me" Deus!!!!
E ainda há pouco o Engenheiro Sócrates falava de formação profissional em diferentes áreas, de modo a que as pessoas possam mudar de emprego várias vezes ao longo da vida... Acha que é assim que vai conseguir? Bem sei que o Engenheiro é o senhor, mas vá por mim: esse não é o caminho! Nem só de Engenharia e Matemática vive o Homem!

22 junho, 2006

"Fé em Deus e pé na tábua"

Nem sempre é fácil arranjar assunto para escrever diariamente. E por vezes, até há vários assuntos de que me apetece falar, mas o cansaço fala mais alto. Então procuro postar aqui, poemas de autores de quem gosto. Descanso eu e descansa quem se dá ao trabalho de aqui vir visitar-me.
Quero aproveitar desde já a oportunidade, para publicamente agradecer aos meus leitores, a paciência com que me aturam... sobretudo nos meus dias de neura... que felizmente não são os mais comuns!
A internet é um meio de comunicação fantástico, aproxima-nos de tudo, facilita-nos a vida, de tal maneira que, quando não a temos parece que perdemos um membro... é claro que eu falo por mim!
Os blogs são a modos que pequenos jornais, onde cada um fala do que lhe apetece sem ter que submeter a publicação à apreciação de terceiros. O que faz com que possam ser meios de comunicação bem mais interessantes que os jornais, que com censura ou sem ela, sempre terão alguma orientação ideológica... até mesmo nos jornais desportivos ou nas revistas cor de rosa. Estas quando querem arrasam com a vida de cada um... ou içam-no à altura dos deuses (cá estou eu a falar do que não sei, uma vez que não leio revistas cor de rosa, nem jornais azuis nem imprensa verde ou de qualquer outra cor).
Acho que devia arranjar paciência para passar os olhos por esse tipo de papel, para ficar pelo menos a conhecer os nomes de pessoas tão ilustres, que toda a gente conhece, menos eu! Como é que eu quero depois vir para aqui e "botar faladura"? Como é que eu me atrevo a dizer mal do que nem conheço? Pois é: não sei... sou uma marginal completa, indomavel, desobediente... não sei o que fazer comigo. Às vezes nem me consigo aturar...
Seja como for e voltando à vaca fria, acho que estão à espera que eu faça o elogio do salvador da pátria, mais conhecido por plano tecnológico, filho (adoptivo) do famossíssimo engenheiro Sócrates. Pois não o farei!
Não! Não é só porque não gosto do senhor engenheiro, não é só porque não votei nele, não é só porque nunca gostei de maiorias governamentais... Nem é, desta vez, por ser do contra!
É porque não é possível pôr um país com o nível de ileteracia informática como o nosso (ena pá, eu às vezes excedo-me!), a viver em função da Internet.
Em primeiro lugar, embora não saiba estatísticamente em quantos lares de Portugal existe NET, creio que, para cumprir os desígnios do senhor engenheiro, os que a têm, não chegam nem para as primeiras impressões.
Em segundo lugar, muitas das pessoas que têm Internet, têm sérias dificuldades para lhe darem o devido uso. Bem sei, que às vezes se trata de uma incompatibilidade com as máquinas em geral, mas em muitos casos, o que se passa é que vivemos uma vida tão cheia de dificuldades que os nossos cérebros procuram caminhos tortuosos para chegar a lugares, onde se chega indo a direito! É assim que funciona a NET: a direito! Não tem nada que saber, não tem nada que enganar... dispam toda a roupa, façam de conta que acabaram de nascer e entrem no Mundo através da NET. E aqui estou eu, sem querer a dar uma preciosa ajuda ao engenheiro! Que hei-de fazer com este meu feitio, se antes de as pensar já as disse? Pronto: agora também não retiro nem uma vírgula. Confiem me mim e sobretudo no vosso instinto... e para a frente que não há nenhuma curva perigosa que nos obrigue a travar!
Continuo na minha... o plano tecnológico estará de boa saúde quando a maior parte de nós, já não andar por cá... o diabo seja cego, surdo e mudo!, como dizia o saudoso Prof. Agostinho da Silva, ninguém nos garante que vamos morrer... ai que saudades que eu tenho de si Professor!
Quer dizer, se não me agarram aqui vou eu, disparada em direcção nem eu sei a quê! Agarrem-me... estão a ver a vantagem de ter um Blog... não há ninguém aqui para me dizer o que devo ou não, dizer... estou apenas eu e o meu irreverente eu (que tanto trabalho me dá, e a idade já começa a pesar)...
Agora pegunto eu, e peço resposta a quem a souber: qual é a vantagem de comprar o selo do carro pela NET? Eu que sou uma feroz adepta e utilizadora, um dia destes passo ali pela tabacaria e zás trás, trago o selo comigo... não vou sobrecarregar os funcionários das Finanças, obrigando-os a enviar mais um selo pelo correio. Aliás, se este modelo for mesmo avante, (ai Jerónimo, estás a ver como eu sou tua amiga, ainda a festa vem longe e eu já estou a publicitá-la)acho que quem vai encher os bolsos é o colega do meu também muito amado Teixeira dos Santos, o amadíssimo Luís Amado (por acaso até gosto da cabeleira do Amado: acho-a muito sensual)... vá lá não se riam, eu também não sou obrigada a ter sempre bom gosto... ninguém é perfeito, nem de ferro, e eu sempre tive esta queda por grisalhos...
De maneira que, por aqui me fico à espera de resposta para esta questão. E hoje não vos maço mais. Vou à tabacaria da esquina... não! Não voltei a fumar! Vou só comprar o selo do meu boguinhas!.

21 junho, 2006

É fácil, é barato, é mesmo grátis...

E pode dar muito mais do que milhões!
Estou a falar de educação, de boas maneiras, de atitudes correctas...
Cada vez tenho mais saudades dos homens que ainda sabem ser cavalheiros. Eu conheço, assim que me lembre, dois! Ambos têm mais de 50 anos. A ambos considero como amigos, embora os tempos de relacionamento que tive com cada um deles sejam completamente diferentes.
Mas, dois homens num universo tão grande quanto é o meu, de amigos, é muito pouco. É uma percentagem baixíssima. Sobretudo, porque a quase todos conheço as famílias e sei que tiveram boa educação... mas perderam-na ao longo da vida. Acho que alguns até acham "chic" dizer palavrões por dá cá aquela palha.
É curioso, a quantidade de homens de que me lembro, por exemplo, que quando tentam fazer "a corte" a uma mulher, são capazes de se comportarem como verdadeiros cavalheiros: saem do carro para nos abrir a porta, conduzem-nos até à porta de casa, não dizem inconveniências e se as dizem por algum motivo, desculpam-se imediatamente. Parecem uns senhores... de todos estes só conheci um que era um verdadeiro cavalheiro e continuou sendo, pelo menos comigo, ao longo dos anos.
Ouço-os muitas vezes dizer que se comportam assim, porque fomos nós, as mulheres que o pedimos, quando andámos anos a exigir igualdade de direitos, emancipação, liberdade sexual, etc., etc., etc. Uma desculpa muito esfarrapada meus amigos. Uma coisa não tem nada a ver com a outra. Boas maneiras, assentam bem em qualquer um. Abrir a porta do elevador a uma senhora, não fará com que ela se sinta inferior. Posso dar esta garantia.
Infelizmente, não é coisa que se ensine nas escolas, menos ainda nas faculdades... Não é por se ter estudado na Suíça que se é bem educado. Não é preciso ter saído da sua aldeia para se aprender boas maneiras. Não é apenas uma questão de chá, ou de berço... é uma questão de sensibilidade.
Cá para mim, um carroceiro não chegará nunca a cavalheiro! Sem ofensa para a profissão de carroceiro que está práticamente extinta! Andam por aí muitos doutores (e não só!) que têm a grosseria que se exigiria a um carroceiro para lidar com as suas mulas.
Por isso, hoje deixo aqui um apelo aos meus amigos mais jovens (burros velhos não aprendem línguas, e o povo bem sabe o que diz), façam um esforço: deixem passar as senhoras em primeiro lugar. Vão ver que têm a ganhar muito mais com estas atitudes, do que se seguirem esses péssimos exemplos que vos têm dado os "cotas".
Beijos e abraços para todos... os mais e os nada cavalheiros: ou se é ou não!

20 junho, 2006

Com Muito Amor para o meu filho Rui Pedro


Falemos pois da vida, dos dias que se arrastam, alguns belos, outros não... Falemos de amor, meu filho.
Um dia disse-te que mais valia sofrer por um grande amor do que não ter amor nenhum pelo qual sofrer. Nessa altura eu própria, ainda acreditava no amor (se não acreditasse, ter-te-ia mentido, e eu nunca te menti). Deixei de acreditar no amor há uns anitos. Julgo que sabes isso. Deixei de acreditar no amor, bem entendido, entre um homem e uma mulher ou entre duas pessoas do mesmo sexo... esse amor que nos deixa eufóricos ou de rastos. Esse sentimento que muda a todo o instante, que se transforma em ódio, alegria, luto, tristeza em menos de um segundo. Deixei de acreditar nisso tudo. Não deixei de sentir, evidentemente. Podemos negar as palavras, mas que fazemos dos sentimentos? Eles existem, vão e vêm, dão sentido à nossa vida... e também lho tiram.
Assim, assentemos num ponto: eu não acredito no amor... todavia, ele existe (tal qual como "las brujas").
No que eu sempre acreditei foi no meu amor por ti e pelos teus irmãos. No que eu acredito e acreditarei sempre é no amor que sempre me ligará aos meus filhos e aos filhos dos meus filhos e por aí adiante, se a tanto me chegar a vida. A netos já chegou; veremos agora se a bisnetos chegará.
Nem, sempre fui, sou, uma mãe presente. Pelo menos no sentido que a maioria das pessoas dá à palavra presença. Não falo contigo tanto quanto me apetece... mas isso é pela minha alergia ao telefone. Não te vejo tanto quanto desejaria, porque afinal não vives ao virar da esquina. Quando eras criança, estava muitas vezes ausente, por força da própria necessidade de sobrevivência. E sei que nem tu, nem os teus irmãos me acusaram alguma vez de ausente... mas fui ausente sim. Sou ausente sim! Mas amo-vos mais do que tudo. Sempre assim foi e sempre assim será.
Partilhei, sobretudo contigo, muitas aflições, mágoas, dores, amores e desamores. Ainda partilho. Tu és o meu melhor amigo. Aquele que nunca me falta. Aquele que é incapaz de uma grosseria, aquele que mesmo não estando comigo, eu sei que ESTÁ! como eu ESTOU!
Obrigada por existires meu filho, por seres a pessoa linda que és, por me fazeres rir e chorar... AMO-TE! PARA SEMPRE!

19 junho, 2006

A Meu Favor








A meu favor
Tenho o verde secreto dos teus olhos
Algumas palavras de ódio algumas palavras de amor
O tapete que vai partir para o infinito
Esta noite ou uma noite qualquer

A meu favor
As paredes que insultam devagar
Certo refúgio acima do murmúrio
Que da vida corrente teime em vir
O barco escondido pela folhagem
O jardim onde a aventura recomeça.

(Alexandre O'Neil "No Reino da Dinamarca")

18 junho, 2006

Lembrar Lambrakis


Não sei precisar em que momento do dia comecei a recordar a história de Lambrakis. Porque recordamos às vezes factos tão distantes... Eu tinha 5 anos quando Lambrakis, um deputado grego conotado com a esquerda, foi assassinado pelo poder vigente na Grécia. Recordo conversas do meu pai sobre este assunto; julgo que todos as mortes trágicas de que ouvi falar na minha infância, ficaram para sempre gravadas na minha memória.
Algumas vezes ao longo da minha vida, tenho recordado este facto e conversado com amigos, que não se lembram da história ou simplesmente ouviram falar mas desconheciam a sua veracidade... Ninguém ouviu falar de Lambrakis. Não sei como o meu pai soube da história, facto é que soube!
Na minha adolescência, veio parar às minhas mãos um romance do grego Vassilis Vassilikos, "Z", escrito em finais dos anos 60. O romance impressionou-me de tal forma, que o tenho relido algumas vezes ao longo da vida.
Decidi hoje postar aqui um texto do romance, que mais não é do que uma carta de amor, da viúva de Lambrakis ao seu muito amado marido. Não sei se me vou ficar por aqui... É que, como este, existem vários textos no livro, de rara beleza. O melhor, talvez seja mesmo, lerem-no do princípio ao fim.
Quem viu o filme (eu não vi, mas tenciono ver), leia o romance, porque não é possível que um filme (mesmo tendo em conta Costa Gravas), contenha toda a poesia deste romance.

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“Não há decadência depois da prosperidade. Mas como se pode decair sem nunca ter conhecido a prosperidade? E desde a tua morte é essa decadência que eu vivo. Voltei a ler o que te escrevi anteontem e senti a necessidade de continuar, pois não te disse tudo.
A noite era suave quando descia das montanhas e a acolhíamos em nossa casa. Abríamos-lhe todas as janelas para que ela se sentisse em casa e depois mandávamo-la embora quando nos apetecia. Amor com música, música com amor, tudo nos pertencia, lembras-te? Hoje – este «hoje» doloroso de que não posso fugir em nenhum momento –, hoje, a noite cerca-me nesta roupa de viúva com que os teus assassinos me cobriram.
A pergunta obcecava-me, ultimamente: porque havias de ser tu e não outro? Porquê tu que não eras comunista, mas sim humanista, no sentido mais lato, pacifista como toda a gente? Até que ontem li a carta que Pauling escreveu ao presidente Kennedy a teu respeito, e entre outras coisas – a tua biografia figura nela de maneira bastante cómica – ele escreveu que o que as direitas gregas quiseram atacar em ti foi o espírito de colaboração com as esquerdas e não as temem. O que temem são precisamente os homens como tu, que se orientam progressivamente nessa direcção. E desse modo quiseram aterrorizar os outros. Conseguiram matar-te, conclui Pauling, mas não puderam parar o movimento, que, graças a ti, vai aumentando.
Comecei hoje a mudança. Vou morar provisoriamente para casa do meu irmão. Era-me impossível continuar a viver neste nº 7 da Rua Thessiou. Cada rangido é uma dor na minha carne. O livro que encomendaras do estrangeiro chegou. Todos os dias chegam pacotes, cartas, poemas para ti; isso desespera-me. Não tenho coragem para o suportar. Hoje, o teu filho chegou da escola amedrontado. Estavam a brincar com as trotinetas e um dos miúdos ameaçou-o: ‘Eu vou-te matar como o teu papá’. Ele pensa que continuas em Londres e julgou que tinhas tido um desastre. Tranquilizei-o. Mas não pude impedir-me de chorar.
Como está tudo em desordem, uma desordem rectangular – os homens das mudanças, que entram e saem a todo o momento, andam pela casa como se estivessem num santuário; como estou prestes a sair deste ninho do nosso amor, as minhas pernas tremem e não sei como andar nua no mundo. Falo-te, à noite, durante horas sem fim.
Esta carta deve parecer uma fotonovela. Detestá-la-ias se a lesses. E eu detesto-te por não me escreveres. Tomei duas doses de sonífero e espero afundar-me em breve no sono. Não podes imaginar como sinto a tua falta. A cama tornou-se demasiado grande só para mim. E o teu caixão é estreito demais para te conter. Não haverá pois uma solução intermédia? Não poderemos encontrar um compromisso para tornar a tua própria vida e a minha própria morte mais suportáveis? Aqueles que vão pôr flores na tua tumba sujam o meu coração. Porque doravante eu estou ligada a ti por um laço que nenhum divórcio, nenhuma dissolução, poderia partir. E é por isso que te odeio ainda mais.”

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"in "Z" de Vassilis Vassilikos"

17 junho, 2006

Prefácio para um livro de poemas

Conheci um homem que possuía uma cabeça de vidro.
Víamos -pelo lado menos sombrio do pensamento-
todo o sistema planetário.
Víamos o tremelicar da luz nas veias e o lodo das emoções na ponta dos dedos.
O latejar do tempo na humidade dos lábios.
E a insónia,
com seus anéis de luas quebradas e espermas ressequidos.
As estrelas mortas das cidades imaginadas.
Os ossos (tristes) das palavras.
A noite cerca a mão inteligente do homem que possui uma cabeça transparente.
Em redor dele chove.
Podemos adivinhar um chuva espessa,
negra,
plúmbea.
Depois, o homem abre a mão, uma laranja surge,
esvoaça.
As cidades
(como em todos os livros que li) ardem.
Incêndios que destroem o último coração do sonho.
Mas aquele que se veste com a pele porosa da sua própria escrita olha,
absorto,
a laranja.
A queda da laranja provocará o poema?
A laranja voadora é ,

ou não é,
uma laranja imaginada por um louco?
E um louco,

saberá o que é uma laranja?
E se a laranja cair?
E o poema? E o poema com uma laranja a cair?
E o poema em forma de laranja?
E se eu comer a laranja,
estarei a devorar o poema?
A ficar louco?(...)
E a palavra laranja existirá sem a laranja?
E a laranja voará sem a palavra laranja?
E se a laranja se iluminar a partir do seu centro, do seu gomo mais secreto,
e alguém a (esquecer) no meio da noite
-servirá
(o brilho)
da laranja para iluminar as cidades há muito mortas?
E se a laranja se deslocar no espaço
-mais depressa que o pensamento, e muito mais devagar que a laranja escrita-
criará uma ordem ou um caos?
O homem que possui uma cabeça de vidro habita o lado de fora das muralhas da cidade.
Foi escorraçado.
(E)
na desolação das terras,
noite dentro,
vigia os seus próprios sonhos e pesadelos.
Os seus próprios gestos
-e um rosto suspenso na solidão.
Onde mora o homem que ousou escrever com a unha na sua alma,
no seu sexo,
no seu coração?
E se escreveu laranja na alma,
a alma ficará saborosa?
E se escreveu laranja no coração,
a paixão impedi-lo-á de morrer?
E se escreveu laranja no sexo, o desejo aumentará?
Onde está a vida do homem que escreve, a vida da laranja,
a vida do poema
-a Vida,
sem mais nada-
estará aqui?
Fora das muralhas da cidade?
No interior do meu corpo? ou muito longe de mim

-onde sei que possuo uma outra razão...
e me suicido na tentativa de me transformar em poema e poder,
enfim,
circular livremente.

(Al Berto)

16 junho, 2006

O meu tempo é quando...


estou contigo, meu amor.
O meu tempo é quando
as nossas mãos se dão,
ou vagueiam pelo corpo do outro...
O meu tempo é quando
olho os teus olhos de água,
incapazes de apagar este fogo
que me consome só de pensar em ti.

O meu tempo é quando
as tuas mãos percorrem
o meu corpo,
as minhas costas...
O meu tempo é quando
corro para ti,
para os teus olhos de água...
quando me abraças meu amor!

(Maria Eduarda Horta)

Dias úteis



Para mim os dias úteis não são exactamente aquilo que são para a grande maioria das pessoas.
Para muita gente dias úteis são todos, excepto fins de semana e feriados. Para outros, são aqueles dias em que sentem que produziram alguma coisa... "fizeram alguma coisa de útil"!
Para mim, dias úteis são aqueles dias que por uma razão ou outra me dão alegria.
Aqueles dias em que faço coisas que me deixam bem: ver o mar, dormir ao sol, estar com amigos, ler, ouvir música, viajar, escrever...
São dias úteis todos os dias que me deixam com vontade de viver o dia seguinte.
Mas começa a ser desesperante conseguir dias úteis... a seguir a noites brancas!
Sim... as minhas noites brancas... que me lembram o "Ensaio sobre a Cegueira" do Saramago. Fecho os olhos e vejo tudo branco... não sou capaz de adormecer e se o faço, é apenas por brevíssimos segundos, como se fossem flashes. Levanto-me mal amanhece o dia, o corpo dorido de tanta volta na cama, um cansaço do tamanho do mundo...
Já tentei tudo... desde as drogas até ao cansaço físico extremo. Cada noite é pior que a anterior. E isto está a tornar os meus dias muito pouco úteis!
Vou passar a chamar-lhes "os meus dias raros"... Até ver!


14 junho, 2006

As Últimas Vontades


As últimas vontades


Deixa ficar a flor,
a morte na gaveta,
o tempo no degrau.
Conheces o degrau:
o sétimo degrau
depois do patamar;
o que range ao passares;
o que foi esconderijo
do maço de cigarros
fumado às escondidas...
Deixa ficar a flor.
E nem murmures.
Deixa
o tempo no degrau,
a morte na gaveta.
Conheces a gaveta:
a primeira da esquerda,
que se mantém fechada.
Quem atirou a chave
pela janela fora?
Na batalha do ódio,
destruam-se,
fechados,
sem tréguas,
os retratos!

Deixa ficar a flor.
A flor? Não a conheces.
Bem sei.
Nem eu. Ninguém.
Deixa ficar a flor.
Não digas nada.
Ouve. Não ouves o degrau?
Quem sobe agora a escada?
Como vem devagar!
Tão devagar que sobe...
Não digas nada.
Ouve: é com certeza alguém,
alguém que traz a chave.
Deixa ficar a flor.

(David Mourão Ferreira)