observava todas as tardes a minha avó, apoiada no portão do jardim, olhando, olhando... o quê não percebia uma vez que a única vista que existia era a vista normal de uma rua de vivendas... quer de uma lado quer do outro, sempre o mesmo... vivendas.
um dia resolvi perguntar porque ela ficava ali todos os dias àquela hora, cheguei a pensar que esperava um namorado como a minha irmã e as amigas dela. mas não. a minha avó explicou-me que estava ali, a ver os pretos. e as pretas. pois é. a minha avó aproveitava o fim de tarde para observar o regresso dos pretos ás suas cubatas nos musseques para lá dos limites da cidade branca.
um dia resolvi perguntar porque ela ficava ali todos os dias àquela hora, cheguei a pensar que esperava um namorado como a minha irmã e as amigas dela. mas não. a minha avó explicou-me que estava ali, a ver os pretos. e as pretas. pois é. a minha avó aproveitava o fim de tarde para observar o regresso dos pretos ás suas cubatas nos musseques para lá dos limites da cidade branca.
pode parecer que estou a querer ser ofensiva, mas a verdade é que era assim. chamavam-se pretos e não negros ou africanos como hoje como se o adjectivo mude alguma coisa na sociedade. pois é. não muda já todos demos por isso. a minha avó ficava a ver os pretos como ela dizia mas eu descobri mais tarde que ela estava verdadeiramente interessada mesmo era nas pretas.
gostava de costurar a minha avó e nada havia que ela não fosse capaz de fazer com um pedaço de pano, um dedal e uma agulha.
e foi assim que quando fiz 5 anos a minha avó me ofereceu uma bela boneca preta, trajada a rigor de panos, com o filho preso às costas.
quando a minha mãe lhe disse que aquilo era um disparate ela fez uma boneca de duas caras, de um lado branco com vestido de pano ocidental e do outro preta com os panos de Angola. o lado da cara preta era muito mais bonito com todo o seu colorido.
quando regressou a Lisboa por não se dar bem com o clima tropical e quando eu a visitava de férias por aqui ela perguntava-me sempre se as pretas ainda se vestiam assim.
pois é avó, agora são poucas as pretas que se vestem assim e também já não precisas de ir a nenhum país africano para ver os pretos de que tanto gostavas...
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