Evocando o grande escritor alentejano, Manuel da Fonseca, transcrevo um dos mais belos poemas seus e dedico-o principalmente aos amigos, que não vejo há muito tempo, mas que sei por onde andam:
- Francisco Bélard. Hoje jornalista do jornal " O Expresso ". Era, de nós todos, o mais culto e o mais ponderado. Tinha um poder de síntese maravilhoso.
- Casimiro José Moreira Branco. O que só falava com pessoas que conheciam o Manuel da Fonseca e o Fernando Pessoa. Dizia ele, claro. Embora seja verdade que quando foi pedir namoro a uma rapariga da Escola Comercial de Beja, encontro marcado na porta norte do jardim da cidade e que teve uma duração muito curta, desistiu do pedido que fora responsável pelo encontro, encontro planeado ao milímetro das palavras, só porque lhe pareceu que a gaja não percebia nada de literatura.
- Arlindo Caldeira. Andava na alínes de História. Nunca mais o vi. Ganhou alguns prémios de ensaio no Diário de Lisboa-Juvenil, para onde eu também escrevia. Escrevia bem, o Arlindo. E as suas críticas eram sempre lúcidas.
- Fernando Silva. Hoje, Professor universitário e investigador. Lembras-te, Fernando, daquela bebedeira monstra que apanhámos, a discutir, horas e horas, bem regados de bagaço, se Myrtilis se escrevia com y, ou sem y?..
Todos éramos amigos, pobres e felizes, tal como Ernesto Hemingway dizia dos tempos de Paris, onde iniciou as suas lides literárias e começou a percorrer o mundo.
O nosso mundo era, porém, outro. O da " Meia Laranja ", local do centro de Beja ( Pax-Júlia ), onde víamos as " garinas " passar e combinávamos qual o fado de Coimbra que cantaríamos às nossa amadas na próxima serenata. Ao som da guitarra dedilhada pelo Bélard da Fonseca.
Poi é pensando principalmente nestes meus queridos amigos que passo a transcrever o seguinte poema de Manuel da Fonsaca:
MATARAM A TUNA
Nos domingos antigos do bibe e pião
Saía a Tuna do Zé Jacinto
Tangendo violas e bandolins
Tocando a marcha Almadanim.
Abriam janelas meninas sorrindo
Parava o comércio pelas portas
E os campaniços de vir à vila
Tolhendo os passos escutando em grupo.
Moços da rua tinham pé leve
O burro da nora da Quinta Nova
Espetava orelhas apreensivo
Manuel da Água punha gravata!
Tudo mexia como acordado
Ao som da marcha Almadanim
Cantando a marcha Almadanim.
Quem não sabia aquilo de cor?
A gente cantava assobiava aquilo de cor...
( Só a Marianita se enganava
Ai só a Marianita se enganava
E eu matava-me a ensinar...)
Que eu sabia de cor
Inteirinha de cor
E para mim domingo não era domingo
Era a marcha Almadanim!
Entanto as senhoras não gostavam
Fazim troça dizendo coisas
E os senhores também não gostavam
Faziam má cara para a Tuna:
- Que era indecente aquela marcha
Parecia até coisa de doidos:
Não era música era raiva
Aquela marcha Almadanim.
Mas Zé Jacinto não desistia.
Vinha domingo e a Tuna na rua
Enchendo a rua enchendo as casas.
Voavam fitas coloridas
Raspavam notas violentas
Rasgava a Tuna o quebranto da vila
Tangendo nas violas e bandolins
A heroica marcha Almadanim!
Meus companheiros antigos do bibe e pião
Agora empregados no comércio
Desenrolando fazenda medindo chita
Agora sentados
Dobrados na secretária do comércio
Cabeças pendidas jovens-velhinhos
Escrevendo no Deve e Haver somando somando
Na vila quieta
Sem vida
Sem nada
Mais que o sossego de falas brandas...
- Onde estão os domingos amarelos verdes azuis
Encarnados
Vibrantes tangidos bandolins fitas violas gritos
Da heroica marcha Almadanim?!
Ó meus amigos desgraçados
Se a vida é curta e a morte infinita
Despertemos e vamos
Eia!
Vamos fazer qualquer coisa de louco e hroico
Como era a Tuna do Zé Jacinto
Tocando a marcha Almadanim!
( Manuel da Fonseca ).
Quanto a nós, queridos amigos, prometo que vou contactar-vos para este gesto heroico que é os alemtejanos, tão contemplativos que somo todos, nos encontrarmos e cantarmos como nos velhos tempos...
Um abraço.
Eduardo Aleixo