31 março, 2010

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Ondjakiondjaki ...97 dias depois da colisão, Osório abriu os olhos no hospital, perguntou se havia disponível uma cerveja bem gelada para lhe matar a sede!

Negue - Cesária Évora (clica aqui)


Negue seu amor e o seu carinho
Diga que você já me esqueceu
Pise machucando com jeitinho
Este coração que ainda é seu
Diga que meu pranto é covardia
Mas não se esqueça
Que você foi meu um dia
Diga que já não me quer
Negue que me pertenceu
Que eu mostro a boca molhada
Ainda marcada pelo beijo seu

Quem somos


Quem somos, senão o que imperfeitamente
sabemos de um passado de vultos
mal recortados na neblina opaca,
imprecisos rostos mentidos nas páginas
antigas de tomos cujas palavras

não são, de certo, as proferidas,
ou reproduzem sequer actos e gestos
cometidos. Ergue-se a lâmina:
metal e terra conhecem o sangue
em fronteiras e destinos pouco

a pouco corrigidos na memória
indecifrável das areias.
A lápide, que nomeia, não descreve
e a história que o historia,
eco vário e distorcido, é já

diversa e a si própria se entretece
na mortalha de conjecturados perfis.
Amanhã seremos outros. Por ora
nada somos senão o imperfeito
limbo da legenda que seremos.

(Rui Knopfli)

somos todos diferentes

santa ana de ereira é um centro de recuperação. ali estão pessoas geralmente velhas e doentes mas está também uma mulher de 42 anos que é autista e que gosta muito de comer. tanto que a chave da despensa teve que ser escondida porque os assaltos eram constantes. ao contrário de outros autistas que tenho conhecido esta mulher comunica à sua maneira. de vez em quando sai do seu estado de letargia em que abana a cabeça de um lado para o outro e olha ao seu redor. se alguém lhe agrada (é fácil agradar desde que se tenha algo que se coma) aproxima-se. e depois é muito simples. aproxima-se e começa a mexer nos cabelos da pessoa de quem gosta tal e qual como se estivesse a lavar o cabelo. acho que daria uma bela ajudante de cabeleireira. hoje esteve algum tempo entretida com o meu. abre um sorriso tão grande como ela quando a olho e é a maneira de me dizer que gosta de mim. também eu gosto muito daquela mulher enorme de quem quase toda a gente se afasta porque as assusta. e no entanto ela é um doce de pessoa. não consigo perceber este preconceito que as pessoas têm em relação às pessoas diferentes... afinal não somos todos diferentes? embora incomode muita gente continuarei a dar toda a minha atenção e mimo à mané. que à sua maneira é mais feliz que eu. ou sou eu que quero acreditar que é assim.

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os chicólatraschicolatras "A flor também é ferida aberta; E não se vê chorar"

Trocando em Miúdos - Francis Hime - (clica aqui)




Eu bato o portão sem fazer alarde
Eu levo a carteira de identidade
Uma saideira, muita saudade
E a leve impressão de que já vou tarde.

30 março, 2010

O amor


Estou a amar-te como o frio
corta os lábios.

A arrancar a raiz
ao mais diminuto dos rios.

A inundar-te de facas,
de saliva esperma lume.

Estou a rodear de agulhas
a boca mais vulnerável

A marcar sobre os teus flancos
o itinerário da espuma

Assim é o amor: mortal e navegável.

(Eugénio de Andrade)

apenas um olá


olá. assim sem mais nem menos alguém que passa por aqui e me diz olá. talvez eu conheça quem sabe mas nas verdade este é um olá muito especial porque me obrigou a voltar aqui a retomar pouco a pouco as minhas rotinas interrompidas assim sem mais nem menos e sobretudo a falta que me faz vir até aqui e partilhar com quem me lê as coisas pequenas que fazem da minha vida aquilo que é. às vezes feliz outras muito triste desanimada angustiada incapaz até de pegar no telefone para dar os parabéns ao homem que partilhou a minha vida durante mais de dezoito anos e com quem sei que posso sempre contar como amigo e fico por aqui sem conseguir falar chego a desligar o telefone porque já não posso mais ouvir as mesmas perguntas e não ter respostas novas para dar. o que me custa agora toda e qualquer conversa refugio-me nas palavras quando posso e parece que cada vez posso menos e lá vou conseguindo de uma maneira ou de outra ouvir e fazer-me ouvir mas não sou capaz de mostrar de peito aberto o que sinto por cada um dos meus amigos qualquer coisa dizer que apesar de tudo quero estar presente na vida de cada um quero voltar a poder dizer amo-te ou quero-te ou não me deixes só e não sou capaz... e afinal este olá chegou para me trazer aqui. obrigada a quem me deu este olá. seja lá quem for disse tudo o que eu precisava agora de ouvir. obrigada.

26 março, 2010

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GabrielGarcíaMárquezElGabo se puede estar cansado para batirse a duelo contra la página en blanco, pero nunca para afilar la pluma leyendo una escrita por los grandes

Sei Lá - Chico Buarque, Miúcha e Tom Jobim (clica aqui)

A gente nem sabe que males se apronta.
Fazendo de conta, fingindo esquecer
Que nada renasce antes que se acabe,
E o sol que desponta tem que anoitecer.

De nada adianta ficar-se de fora.
A hora do sim é o descuido do não.
Sei lá, sei lá, só sei que é preciso paixão.
Sei lá, sei lá, a vida tem sempre razão.

Pergunto-te onde se acha a minha vida.


Pergunto-te onde se acha a minha vida.
Em que dia fui eu. Que hora existiu formada
de uma verdade minha bem possuída.

Vão-se as minhas perguntas aos depósitos do nada.

E a quem é que pergunto? Em quem penso, iludida
por esperanças hereditárias? E de cada
pergunta minha vai nascendo a sombra imensa
que envolve a posição dos olhos de quem pensa.

Já não sei mais a diferença
de ti, de mim, da coisa perguntada,
do silêncio da coisa irrespondida.

(Cecília Meireles)

o que me dói mais


a primavera chegou. no calendário. a verdade é que o inverno veio para ficar mas que importa se afinal tenho uma semana de férias que quero aproveitar sobretudo para dormir. já sei que haverá quem diga que estou a desperdiçar tempo. também já pensei assim mas agora que o cansaço não me deixa sequer dormir uma noite de 5 horas sei que dormir é o melhor remédio. é exactamente aquilo de que preciso. se restar tempo para preencher os meus dias com alguma utilidade tanto melhor. na verdade o trabalho físico tem sido o melhor antídoto para a depressão e o esgotamento. se não o fizesse não conseguiria fazer o meu trabalho. assim posso passar sete horas a trabalhar sem me cansar porque sei que quando chegar a casa me vou ocupar de coisas que me ocupam as mãos e me deixam completamente alheada de todos os problemas. consigo até voltar a cantarolar. pouco a pouco volto a ser o que era. penso que apesar de tudo a vida vale a pena. nem que seja pela convicção de que fiz tudo o que podia. sempre. nem sempre mostro a ternura que me apetece às vezes mostrar. sou assim. sou como sou. mas quem me conhece sabe que quando é preciso pode contar comigo. até à exaustão. o que me dói mais? a sensação de impotência quando já fiz tudo o que sou capaz de fazer e afinal fico com a sensação de que o que fiz não serviu de nada. agora só quero aprender a ser eu mesma de novo.

25 março, 2010

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ondjaki ...a vida é um voo / onde depois da fila 42 / já se pode fumar… (...?)

Quando, quando, quando - Michael Bublé e Feat Bonita (clica aqui)

Every moments a day
Every day seems a lifetime
Let me show you the way
To a joy beyond compare

I can´t wait a moment more
Tell me quando quando quando
Say its me that you adore
And then darling tell me when

Saber


saber
é saber saber-te
sabermo-nos unir

unirmo-nos
é conhecermo-nos
sabermos ser

por fim sermos
é sabermos
sabermo-nos

conhecermos
a surda áspide

(Ana Hatherly)

único

o planalto e a estepe de pepetela é um romance diferente. quero dizer diferente dos outros que tenho lido de pepetela se bem que já não é surpresa. pepetela é bom a escrever o que quer que seja. neste planalto e a estepe conta-nos a estória de um romance real. conta-o na primeira pessoa e enquanto fala de amor de um grande amor capaz de resistir a mais de 30 anos de ausência fala-nos dos tempos da independência de angola. fala da vida dos estudantes angolanos na união soviética fala-nos de amizades verdadeiras e do cinismo dos países de leste. fala-nos também da guerra dos guerrilheiros e da corrupção existente no país. não apenas naquela altura mas prolongando-se no tempo até aos dias de hoje. mostra que é sempre possível resistir. ao tempo ao ódio ao amor à distância à corrupção... desde o cão e os caluandas muito tenho lido deste querido escritor angolano. lueji ensinou-me muito sobre as tradições de angola sobretudo da lunda. um livro maravilhoso que releio de vez em quando. o detective jaime bunda mostra toda a realidade de luanda com um humor fantástico. só mesmo pepetela para escapar a rótulos. cada livro é um filho bem diferente de todos os outros. pepetela é único.

24 março, 2010

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ondjaki ...talvez o vazio fosse também um caminho... depois do olhar e das frases nunca ditas... espécie de casa onde faltassem janelas e flores...

Sem eira nem beira - Xutos e & Pontapés (clica aqui)

Senhor engenheiro
Dê-me um pouco de atenção
Há dez anos que estou preso
Há trinta que sou ladrão
Não tenho eira nem beira
Mas ainda consigo ver
Quem anda na roubalheira
E quem me anda a foder

Não pise na grama

Placa inútil e amarela:
"Não pise na grama."

Amarela
pela ausência de girassóis.

Inútil
porque não tenho os pés no chão.

(Fábio Rocha)

assim vai a cidadania por aqui


desço as escadas do metro na estação de entrecampos. à minha frente vai uma jovem mulher com dois filhos. a menina vai de mão dada com a mãe. o puto diz qualquer coisa à mãe e abre a braguilha e urina para a parede decorada de azulejos. fico chocada. é claro que este miúdo vai crescer pensando que é normal urinar em qualquer lado. afinal já não é assim tão pequeno. terá cerca de dez anos. e enquanto ele despeja a bexiga a mãe segue com a menina pela mão como se não tivesse nada que ver com o puto. quando termina o garoto corre para junto da mãe e da irmã. é então que reparo que ali mesmo ao meu lado está um funcionário do metro. se não me sentisse tão amorfa teria dado um raspanete aquela mulher que permitia ao filho um comportamento tão anti social. teria com certeza também pedido um livro de reclamações para relatar o comportamento do funcionário que tudo viu e permitiu sem sequer se dar ao trabalho de pestanejar. este tipo de comportamentos incomoda-me. como me incomoda assistir a gente cuspindo para o chão ou a deixar distraidamente cair um pedaço de papel ou de um saco para o chão como se não estivesse dando por isso. em compensação no cais do sodré vi o homem das calças de ganga ruças e cabelo grisalho amarrado num rabo de cavalo. curta compensação...

23 março, 2010

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os chicólatraschicolatras "E quando ela está nos meus braços; As tristezas parecem banais; O meu coração aos pedaços; Se remenda prum número a mais"

Teresinha - Maria Bethânia (clica aqui)


O terceiro me chegou como quem chega do nada
Ele não me trouxe nada também nada perguntou
Mal sei como ele se chama mas entendo o que ele quer
Se deitou na minha cama e me chama de mulher
Foi chegando sorrateiro e antes que eu dissesse não
Se instalou feito posseiro, dentro do meu coração

Dialética

É claro que a vida é boa
E a alegria, a única indizível emoção
É claro que te acho linda
Em ti bendigo o amor das coisas simples
É claro que te amo
E tenho tudo para ser feliz
Mas acontece que eu sou triste...

(Vinicius de Moraes)

sinto-lhe a falta


vi-o pela primeira vez na estação do metro do cais do sodré. já me tinha chamado a atenção com os seus cabelos grisalhos apanhados num rabo de cavalo e umas calças de ganga muito coçadas. chegada à passagem para os comboios ele encontrava-se à minha frente. desviou-se e deu-me passagem. olhei-o nos olhos. verdes. olhos pouco jovens mas ainda muito bonitos. agradeci a gentileza. afinal já não é normal encontrar um homem que tenha alguma delicadeza. confundem igualdade com educação. subi as escadas rolantes em direcção ao comboio a cantarolar a canção de roberto "eu sou aquele amante à moda antiga/daqueles que ainda manda flores/e que apesar da calça desbotada/ ainda faz sorrir a namorada"... e pensei que a mulher daquele homem é provavelmente uma mulher com sorte. lembro o meu pai. toda a vida teve este tipo de delicadeza com a minha mãe. por isso dou tanta importância a estas atitudes. no dia seguinte voltei a vê-lo no mesmo local. as mesmas calças de ganga desbotadas e o mesmo cabelo grisalho preso num enorme rabo de cavalo. tal como eu vinha a uma hora diferente. acasos da vida. não voltei a ver o cavalheiro de calças de ganga desbotadas. mas sinto-lhe a falta.

22 março, 2010

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os chicólatraschicolatras "Venha, meu amigo; Deixe esse regaço; Brinque com meu fogo: Venha se queimar"

Tudo por um beijo - Jorge Palma

E agora que estamos sós, vamos ser apenas nós
Dar a volta ao argumento
Vamos fugir em segredo
Sumir por entre o enredo, soltar o cabelo ao vento

Troco tudo por um beijo
Mais vale morder um desejo
Que ter toda a fama do mundo


Os velhos

Todos nasceram velhos — desconfio.
Em casas mais velhas que a velhice,
em ruas que existiram sempre — sempre
assim como estão hoje
e não deixarão nunca de estar:
soturnas e paradas e indeléveis
mesmo no desmoronar do Juízo Final.
Os mais velhos têm 100, 200 anos
e lá se perde a conta.
Os mais novos dos novos,
não menos de 50 — enorm'idade.
Nenhum olha para mim.
A velhice o proíbe. Quem autorizou
existirem meninos neste largo municipal?
Quem infrigiu a lei da eternidade
que não permite recomeçar a vida?
Ignoram-me. Não sou. Tenho vontade
de ser também um velho desde sempre.
Assim conversarão
comigo sobre coisas
seladas em cofre de subentendidos
a conversa infindável de monossílabos, resmungos,
tosse conclusiva.
Nem me vêem passar. Não me dão confiança.
Confiança! Confiança!
Dádiva impensável
nos semblantes fechados,
nos felpudos redingotes,
nos chapéus autoritários,
nas barbas de milénios.
Sigo, seco e só, atravessando
a floresta de velhos.

(Carlos Drummond de Andrade)

viver de faz de conta

que saudades de passar por aqui e que mal me sinto por deixar estes espaço durante tanto tempo. acontece que para além de estar a passar uma situação muito difícil porque ter que internar alguém que amo num lar por ter chegado à situação de não ser possível mantê-la em casa ainda tenho que estudar alguma coisa e pôr em ordem uma casa que durante anos foi habitada por alguém que se encontrava impedida de usar todas as suas faculdades mentais para além de exigir atenção tempo inteiro. creio que é difícil eleger a pior de todas as demências mas esta que tem o nome de um senhor alemão é bem difícil e angustiante para as pessoas que convivem com o doente. e mudando de assunto a primavera chegou com um pouco de sol o ribatejo está atulhado de água e flores à beira das estradas muito amarelas que alegram os caminhos de quem se sente triste apesar de ter um dia a dia mais tranquilo. mas daqui até ter a minha vida em ordem falta um passo gigante. que não sei se vou ser capaz de dar. quem dera o carinho de que estou rodeada me permita voltar a viver. porque é algo que deixei de fazer há bastante tempo. embora não pareça.

15 março, 2010

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os chicólatraschicolatras "Vejo meu bem com seus olhos; E é com meus olhos; Que o meu bem me vê"

A vida vai torta - Xutos e Pontapés (clica aqui)

De modo que a vida
É um circo de feras
E uns entre tantos
São as minhas feras

Nunca dei um passo
Que fosse o correcto
Eu nunca fiz nada
Que batesse certo

Quando eu for pequeno

Quando eu for pequeno, mãe,
quero ouvir de novo a tua voz
na campânula de som dos meus dias
inquietos, apressados, fustigados pelo medo.
Subirás comigo as ruas íngremes
com a certeza dócil de que só o empedrado
e o cansaço da subida
me entregarão ao sossego do sono.

Quando eu for pequeno, mãe,
os teus olhos voltarão a ver
nem que seja o fio do destino
desenhado por uma estrela cadente
no cetim azul das tardes
sobre a baía dos veleiros imaginados.

Quando eu for pequeno, mãe,
nenhum de nós falará da morte,
a não ser para confirmarmos
que ela só vem quando a chamamos
e que os animais fazem um círculo
para sabermos de antemão que vai chegar.

Quando eu for pequeno, mãe,
trarei as papoilas e os búzios
para a tua mesa de tricotar encontros,
e então ficaremos debaixo de um alpendre
a ouvir uma banda a tocar
enquanto o pai ao longe nos acena,
lenço branco na mão com as iniciais bordadas,
anunciando que vai voltar porque eu sou
[pequeno
e a orfandade até nos olhos deixa marcas.

(José Jorge Letria)

coisas de anjos e anjas

não há nada como um dia atrás do outro. depois de um ataque de pânico que sofri ontem provocado com certeza por cansaço acumulado e muitas emoções tristes estou a esta hora muito mais tranquila e convencida que vou ser capaz de começar de novo e arranjar forças para poder ajudar sempre que necessário quem de mim precise. é claro que não consegui esta tranquilidade sózinha. devo-a aos meus filhos às minhas sobrinhas aos meus amigos e ao meu anjo da guarda que com certeza por ter muito que fazer pôs no meu caminho uma anja. dir-me-ão que não existem anjas e eu respondo que é inútil continuar a discutir o sexo dos anjos. esta é uma anja com olhos de céu. foi com certeza por ter nascido com olhos de céu e cara de anja que lhe puseram um nome que lhe assenta como uma luva. estou tranquila. a minha mãe está no melhor lugar possível e até já joga dominó. estou tranquila porque sei que a minha mãe vai ficar muito melhor onde está do que em casa onde não existem recursos suficientes para cuidar de uma pessoa com a tal doença que tem um nome de senhor alemão (eu cá tinha as minhas razões para não gostar de alemão mas só agora descobri). quero pois agradecer aos meus filhos ás minhas sobrinhas aos meus amigos e sobretudo ao meu anjo da guarda que pôs no meu caminho uma anja com nome de céu.

14 março, 2010

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GabrielGarcíaMárquezElGabo Chile no es Macondo. Surgirá

O meu guri - Chico Buarque (clica aqui)

Eu consolo ele
Ele me consola
Boto ele no colo
Prá ele me ninar
De repente acordo
Olho pro lado
E o danado já foi trabalhar
Olha aí!

Olha aí!
Ai o meu guri, olha aí!
Olha aí!
É o meu guri e ele chega!

Lentos nos fomos esquecendo


Lentos nos fomos esquecendo. Quando
o tempo da velhice nos foi vindo
a tez apareceu amorenada de anos
e afeita ao espírito.
A lavoura sabia aos nossos passos.
Até os desperdícios
iluminavam debilmente o armário
e a penumbra dos rincões escritos.
Mas nós só estávamos
em nos havermos esquecido.
Ou, às vezes, a aura do trabalho
quase fazia com que na mesa o sítio
aparecesse coroado de anos
sobre a mão a mover-se pelo seu próprio espírito.

(Fernando Echevarría)

já não existo mais


tudo o que sinto agora é um enorme vazio. um buraco fundo como se eu não existisse porque quem me deu vida não está aqui como esteve ontem. porque ela já não está aqui para me dar colo ou para que eu lhe dê colo. agora sobra um silêncio de palavras incoerentes que me cansavam mas a que eu já estava acostumada. sabia ligar e desligar o botão. agora não. agora sobra o silêncio. e o vazio. e a minha cabeça já não é o que era ontem. quando foi o último dia da minha vida. e eu não sei como recomeçar. repito palavras que já disse. tenho medo de ter herdado a doença. tenho medo muito medo. nunca tive tanto medo na vida. estou só e assustada apesar de toas as palavras de todo o carinho dos que me falam e que me dizem não te assustes estás só muito cansada foram muitos anos sem teres tempo para ti foi muito tempo a tentares fazer passar a imagem que estavas bem. não estava. é verdade. há muitos anos que não estou bem. mas hoje estou muito pior. estou tão vazia de mim que acho que nem sobra tempo para a tristeza. só as lágrimas que teimam em cair me fazem acreditar que afinal ainda sou capaz de fazer parte deste mundo. mas não me interessa nada. hoje nada me importa. quem dera poder mergulhar num sono eterno e esquecer para sempre todas as tristezas desgostos tudo o que acabou por destruir a pouca alegria que ainda existia em mim. hoje estou só. terrivelmente só. e vazia.

13 março, 2010

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os chicólatraschicolatras "Sim, me leva pra sempre, Beatriz; Me ensina a não andar com os pés no chão"

Voo Nocturno - Jorge Palma (clica aqui)

agora não existe nada
o meu motor ou ralenti

vou revendo em em surdina
tudo o que eu vivi

neste voo nocturno
a madrugada vêem aí

neste voo nocturno sou mais leve do que o ar
neste voo nocturno não si onde vou acordar

Vem ver a minha mãe

Está junto das coisas que bordaram
com ela os dias que supôs mais belos
e são a fonte de onde lhe começa
o branco tempo dos cabelos.

Mal pousa a vida nos seus dedos gastos
do sonho que pousou na minha mão
e no sangue tão frágil que sustenta
tanta ternura e tanta solidão.

(Vítor Matos e Sá)

o último dia da minha vida

devia falar de outras coisas. devia. devia dizer que a maior parte das pessoas que se indigna com a corrupção das "cabeças coroadas" se deixa corromper por um prato de lentilhas e falam indignados de tudo e de mais algum coisa esquecendo-se que o que não lhes falta são telhados de vidro. gente pequenina que se acha o máximo. gente que mente a todo o momento. gente que me dá vontade de vomitar. devia. mas não falo. porque hoje é o último dia do resto da minha vida. talvez amanhã seja o primeiro quem sabe. mas sei que nada será como dantes. hoje deitei cabeça no colo da minha mãe e quase tive a certeza que não o poderei fazer de novo pelo menos como o fiz hoje sabendo ela que sou eu a sua filha mais nova que deitei a cabeça no seu colo que lhe aqueci as mãos geladas. por momentos voltámos a ser mãe e filha. ou pelo contrário fomos hoje pela primeira vez mãe e filha sem que ela trocasse as prioridades. sabendo ela que sou eu a filha e ela a mãe. hoje é o ultimo dia do resto da minha vida. e eu prendo o choro para que ela não perceba que me sinto muito infeliz. saber que muita gente já passou por isto não me consola. é a velha máxima que nunca gostei de usar mas que neste momento dentro de mim é verdadeira. com o mal dos outros posso eu bem. acontece que é a minha mãe. acontece que não vou poder estar com ela todos os dias. acontece que não vou poder cuidar dela como sempre. acontece que o facto de poder dormir com os dois olhos fechados não me consola. o último dia da minha vida. neste momento nada mais importa.

07 março, 2010

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os chicólatraschicolatras "Tantas palavras que ela gostava; E repetia só por gostar"

Balançar - Mafalda Veiga e Tiago Bettencourt (clica aqui)

E agarras a minha mão
com a tua mão e prendes-me
e dizes-me para te salvar.
De quê?
De viver o perigo.
De quê?
De rasgar o peito.
Com o quê?
De morrer,
mas de que paixão?
De quê?

Soneto do amor total


Amo-te tanto, meu amor... não cante
O humano coração com mais verdade...
Amo-te como amigo e como amante
Numa sempre diversa realidade.

Amo-te afim, de um calmo amor prestante
E te amo além, presente na saudade
Amo-te, enfim, como grande liberdade
Dentro da eternidade e a cada instante.

Amo-te como um bicho, simplesmente
De um amor sem mistério e sem virtude
Com um desejo maciço e permanente

E de te amar assim, muito e amiúde
É que um dia em teu corpo, de repente
Hei-de morrer de amar mais do que pude.

(Vinicius de Moraes)

olhos de céu


a vida é como a história. repete-se. quando temos filho pequenos temos que os deixar no jardim de infância porque temos que trabalhar. ganhar o pão para a boca. depois quando entramos na idade de geração sandwich ou temos muita sorte e os nossos pais são pessoas saudáveis que se limitam a envelhecer e muitas vezes a morrer de gastos como aconteceu à minha avó paterna aos 99 anos ou quase de repente tendo vivido sempre sozinha até aos 92 anos como aconteceu à minha avó materna. mas quando a vida nos prega partidas de que não estávamos à espera e nos deparamos com a necessidade absoluta de internarmos um dos nossos num lar a angústia instala-se e o mundo parece desmoronar. depois pouco a pouco há que encarar a realidade e tentar arranjar um sítio agradável onde saibamos que os nossos velhos são tratados com cuidados e carinho. e por isso hoje fui ver o lar onde um dia destes terei que internar a minha mãe. e a angústia que levava amainou quando olhei os olhos de céu da céu a pessoa que me indicou este lar como sendo bom. conheci-a de passagem há uns anos uma vez que é coordenadora do jardim infantil onde o meu filho mais velho trabalha. confesso que sou distraída. e por isso quando ela me lembrou que já nos conhecíamos voltei no tempo e lembrei-me realmente de onde conhecia aqueles olhos de céu. os da céu. e quando ela me disse que me conhecia muito bem porque passava por este espaço de vez em quando e isso lhe dava a sensação de me conhecer bem. ainda bem. porque é para isso que escrevo aqui. para que as pessoas me conheçam e poder partilhar ainda que com muita gente que não conheço as minhas alegrias mas também as minhas angústias e histórias ás vezes verdadeiras outras inventadas. estou portanto mais tranquila pois graças à céu com olhos de céu encontrei um lugar decente e limpo no meio do campo onde penso que a minha mãe poderá viver ainda alguns anos mais felizes.