28 abril, 2008

Amante à moda antiga - Roberto Carlos (clica aqui)

Apesar de todo progresso,
conceitos e padrões atuais
Sou do tipo que na verdade
sofre por amor e ainda chora
de saudades
Porque sou aquele
amante à moda antiga,
do tipo que ainda manda flores
Apesar do velho tênis
e da calça desbotada
Ainda chamo de querida
a namorada

Noiva


Eu te daria frescas flores de laranjeira
para uma grinalda na carapinha desfrisada.
Eu te daria um colar de missangas coloridas
para uma cruz de outra carne a fogo marcada
sobre o seio esquerdo ao rasgar da virgindade.
Eu te daria um trevo de quatro folhas verdes
para que te nascesse o primeiro filho varão.
Eu te daria se não fosses a noiva de todos
fazendo bandeira com uma capulana garrida
às nove da noite naquela rua de areia
suburbana. Uma rosa encarnada se desfolha
na fonte do teu corpo em cada lua nova como
se fosses a virgem noiva a quem eu daria
flores de laranjeira, um colar e um trevo
que te darei talvez para usares quando não
puderes ser noiva de todos fazendo bandeira
às nove horas da noite naquela rua de areia.

(Orlando Mendes)

Abaixo os 4x4. Vivam os gajos!


A partir de hoje vou ausentar-me destes espaço por alguns dias, espero que poucos. A razão desta ausência foi a necessidade repentina que senti de ir à procura de um gajo. É verdade um gajo, daqueles de verdade, de calças de ganga e cabelo comprido mas capazes de serem uns românticos com as mulheres.
O que se passa é que estou farta de homens. Sobretudo dos que são 4x4. Estou mais do que farta de gente do sexo masculino que se acha infinitamente sedutora mas não tem o mínimo de educação que eu exijo de um gajo, fará de um homem.
Só tenho filhos e netos mas hei-de ensinar a princesa da minha sobrinha Inês a não confiar jamais num homem que lhe diz mais do que uma vez que não a quer magoar. Porque é certo que irá repetir a frase e os gestos passíveis de tornarem a frase a mais descarada das mentiras. Quando alguém nos diz que não nos quer magoar é certo que o fará. Se não tencionasse fazê-lo não o diria. Por isso, querida Inês, não acredites em homens que dizem coisas deste tipo. Não te fies nunca em homens 4x4. Escolhe de preferência um gajo, destes à moda antiga que ainda mandam flores (há uma canção do Roberto que diz qualquer coisa deste tipo, a ver se me lembro)...
As esperanças que tenho de encontrar um gajo são muito pequenas. Porque não será fácil topar com um gajo que ainda por cima esteja disposto a aturar uma gaja. É o que eu sou. E se quiserem saber o que é uma gaja, pesquisem no blog pela palavra... verão o quero dizer com isto.
Por isso, queridos gajos e gajas, até um dia destes... e desejem-me a sorte quase impossível de alcançar o que procuro!

27 abril, 2008

Blowin' In the Wind - Bob Dylan (clica aqui)


How many roads must a man walk down,
Before you call him a man?
How many seas must a white dove sail,
Before she sleeps in the sand?

África


É neste silêncio neste assalto do vento a
navegar a floresta neste sol neste amor
neste vegetal cobrir-me de verde e ser
catana cerce a executar o ânimo
afagar as mulheres no regresso da lavra
fazer das mãos a festa sonora do sexo
na cultivação do milho

É neste grito rente ao corpo frágil das
folhas que mais em ti me venço e
moro nas grandes batalhas da vida
no extenso vale das nossas angústias
no duelo cíclico das nossas intenções

(David Mestre)

O SIADAP e a ASAE com o Paulinho pelo meio...


Paulo Portas é um tipo de quem não gosto. Estou no meu direito. Isso não me impede de reconhecer que o tipo é inteligente e geralmente bem informado. Por isso é que me chateia ele vir agora com esta estória da ASAE e dos objectivos. Paulo Portas tem obrigação de saber tão bem como eu, o que é o SIADAP. Bem sei: eu sei melhor. Afinal sofro-o na pele desde 2005... Mas de qualquer modo ele sabe muito bem que todos os serviços do Estado têm que cumprir objectivos, por muito estapafúrdios que sejam em ralação ao serviço que prestam.
Eu já contei aqui, que a maior parte dos serviços informativos do Estado, têm como objectivo atender os utentes no espaço mínimo de tempo possível. Porque é com certeza possível quantificar o número de clientes que um funcionário atende por dia... o que não é possível, é saber se a pessoa foi realmente informada, se ficou realmente a saber o que desejava ou se desistiu por sentir que a pessoa que o devia informar como deve ser, tem que fazer de conta que informa mais umas dezenas de pessoas ao longo do dia.
Os professores têm que cumprir o objectivo de "passar" alunos de ano. Não têm que ensinar, isso não importa... o que importa são os números. E esses só se podem quantificar pelo número de alunos passados, para depois se poder dizer que a escola em Portugal é um sucesso.
E por aí fora. O exemplos estapafúrdios não param. E é por isso senhor Paulo Portas, que assim como assim a gente até lhe perdoa o facto de gostar de feiras e mercados. Pelo menos aí toda a gente percebe que está a fazer propaganda. Aqui, se calhar há muita gente que fica a pensar que os agentes da ASAE são os maus da fita. Não são. Os maus da fita são os que impuseram à Administração Pública um sistema de avaliação que já foi deitado fora como lixo pelas empresas privadas há anos.

26 abril, 2008

Uns Versos - Adriana Calcanhoto (clica aqui)

Se você vai sair
Eu chovo
Sobre o seu cabelo pelo seu itinerário
Sou eu o seu paradeiro
Tem uns versos que eu escrevo
Depois rasgo

Reza, Maria (1ª versão)


Suam no trabalho as curvadas bestas
e não são bestas
são homens, Maria!

Corre-se a pontapés os cães na fome dos ossos
e não são cães
são seres humanos, Maria!

Feras matam velhos, mulheres e crianças
e não são feras, são homens
e os velhos, as mulheres e as crianças
são os nossos pais
nossas irmãs e nossos filhos, Maria!

Crias morrem á míngua de pão
vermes na rua estendem a mão a caridade
e nem crias nem vermes são
mas aleijados meninos sem casa, Maria!

Do ódio e da guerra dos homens
das mães e das filhas violadas
das crianças mortas de anemia
e de todos os que apodrecem nos calabouços
cresce no mundo o girassol da esperança

Ah! Maria
põe as mãos e reza.
Pelos homens todos
e negros de toda a parte
põe as mãos
e reza, Maria!

(José Craveirinha)

Somos muito burros.


Em Portugal alguém se lembra de aplicar uma indemnização no montante de € 30.000 a um homem só porque ele tem criado, educado, acarinhado, alimentado, vestido, etc., etc., uma menina que lhe foi entregue pela mãe biológica aos 3 meses de idade por não ter as condições mínimas para ficar com a criança. Tudo o que consigo ver são actos de amor. De quem "deu" uma filha e de quem a recebeu para dela cuidar como de filha biológica se tratasse.
A mãe adoptiva da criança receberá provavelmente a mesma pena na próxima semana. Pode ser que os nossos Tribunais estejam repletos de cabecinhas brilhantes. Mas eu sou burra. E como eu, a maioria dos portugueses. Somos mesmo muito burros, (sem ofensa para os animais que são bem inteligentes). Tão burros que insistimos em continuar a acreditar que o futuro deste país ainda é possível.
Porque numa reportagem sobre crianças com cancro (o menino de Vila Real de que já falei por aqui, continua a lutar pela vida enquanto não aprece uma medula compatível que o salve), ouço um menino dizer "os médicos disseram-me que eu só tinha 1% de probabilidades de viver, mas eu troquei-lhes as voltas" e as lágrimas vieram-me aos olhos. Porque as crianças deste país têm que ser mais acarinhadas, mais protegidas, mais amadas por todos. Para que não desapareçam e se esfumem no ar, muitas delas. Para que a saúde seja um bem a que todas têm direito. E a educação. E o pão.
Mais uma vez, como Augusto Gil digo" mas as crianças Senhor, porque lhes dais tanta dor..."

25 abril, 2008

A Morte Saiu á Rua - José Afonso (clica aqui)


A morte saiu à rua num dia assim
Naquele lugar sem nome pra qualquer fim
Uma gota rubra sobre a calçada cai
E um rio de sangue dum peito aberto sai
O vento que dá nas canas do canavial
E a foice duma ceifeira de Portugal
E o som da bigorna como um clarim do céu
Vão dizendo em toda a parte o pintor morreu
Teu sangue, Pintor, reclama outra morte igual
Só olho por olho e dente por dente vale
À lei assassina à morte que te matou
Teu corpo pertence à terra que te abraçou
Aqui te afirmamos dente por dente assim
Que um dia rirá melhor quem rirá por fim
Na curva da estrada há covas feitas no chão
E em todas florirão rosas duma nação

Abril de sim, Abril de não


Eu vi Abril por fora e Abril por dentro
vi o Abril que foi e Abril de agora
eu vi Abril em festa e Abril lamento
Abril como quem ri como quem chora.
Eu vi chorar Abril e Abril partir
vi o Abril de sim e Abril de não
Abril que já não é Abril por vir
e como tudo o mais contradição.
Vi o Abril que ganha e Abril que perde
Abril que foi Abril e o que não foi
eu vi Abril de ser e de não ser.
Abril de Abril vestido (Abril tão verde)
Abril de Abril despido (Abril que dói)
Abril já feito. E ainda por fazer.

(Manuel Alegre)

25 de Abril. Sempre?


Há 34 anos fazia-se em Portugal uma revolução diferente. Tão diferente que ficou conhecida pela revolução dos cravos. São daquelas coisas que acontecem. Uma vendedeira de flores decidiu oferecer um cravo a um soldado e a coisa pegou. E quem vê fotos hoje, pode até pensar que das espingarda eram disparados cravos.
Pois foi. Foi muito bonito de ver e de viver nos primeiros anos. Foi bonito ver as campanhas de alfabetização, foi bonito ver as pessoas empolgadas com o seu país, participando de manifestações por tudo e por nada. Foi bonito sim senhor... e hoje? O que se passa neste nosso mundo? O que vejo no telejornal? Notícias sobre a fome no mundo e com certeza também em Portugal. Notícia de que se prevê a morte pela fome de milhares de pessoas nos países mais pobres. Alimentos como o leite, o pão e o arroz, deixaram de ser passíveis de compra por parte das populações mais desfavorecidas que aumentam todos os dias.
Ainda há muita gente a descer a Av. da Liberdade no dia 25 de Abril. Ainda há muita gente que acha que a revolução valeu a pena. Eu também acho. Afinal temos uma liberdade que não tínhamos antes. Hoje, a imprensa pode dizer o que está mal... nem sempre, mas pronto. A opinião pública é alertada e isso faz com que pessoas como o José não teimem em processar gente que pensa pela sua cabeça e escreve aquilo que pensa, em qualquer lado, mesmo aqui na blogoesfera.
Mas os cravos esgotaram-se. A alegria esgotou-se. Ficou-me um sabor amargo na boca. O sabor de saber que as manifestações são para quem gosta de gritar. São para quem gosta de companhia. Eu gosto mesmo de ver na TV as manifestações, juro que gosto... mas não me imagino a fazer o que fazia aos 17 anos. Manifestar-me, fugir do COPCON, entrar disfarçada em células mais do que clandestinas num país que se dizia livre. Que, tal como hoje, era livre. Para alguns.

24 abril, 2008

Maintenant Je Sais - Jean Gabin (clica aqui)


Toute ma jeunesse, j'ai voulu dire JE SAIS
Seulement, plus je cherchais, et puis moins j' savais
Il y a 60 coups qui ont sonné à l'horloge
Je suis encore à ma fenêtre, je regarde, et j'm'interroge ?
Maintenant JE SAIS,
JE SAIS QU'ON NE SAIT JAMAIS !
La vie, l'amour, l'argent, les amis et les roses
On ne sait jamais le bruit ni la couleur des choses
C'est tout c'que j'sais !
Mais ça, j'le SAIS... !

Namoro


Mandei-lhe uma carta em papel perfumado
e com letra bonita eu disse ela tinha
um sorrir luminoso tão quente e gaiato
como o sol de Novembro brincando
de artista nas acácias floridas
espalhando diamantes na fímbria do mar
e dando calor ao sumo das mangas

Sua pele macia - era sumaúma...
Sua pele macia, da cor do jambo, cheirando a rosas
sua pele macia guardava as doçuras do corpo rijo
tão rijo e tão doce - como o maboque...
Seus seios, laranjas - laranjas do Loje
seus dentes... - marfim...
Mandei-lhe essa carta
e ela disse que não.

Mandei-lhe um cartão
que o amigo Maninho tipografou:
"Por ti sofre o meu coração"
Num canto - SIM, noutro canto - NÃO
E ela o canto do NÃO dobrou

Mandei-lhe um recado pela Zefa do Sete
pedindo, rogando de joelhos no chão
pela Senhora do Cabo, pela Santa Ifigenia,
me desse a ventura do seu namoro...
E ela disse que não.

Levei á Avo Chica, quimbanda de fama
a areia da marca que o seu pé deixou
para que fizesse um feitiço forte e seguro
que nela nascesse um amor como o meu...
E o feitiço falhou.

Esperei-a de tarde, á porta da fabrica,
ofertei-lhe um colar e um anel e um broche,
paguei-lhe doces na calçada da Missão,
ficamos num banco do largo da Estátua,
afaguei-lhe as mãos...
falei-lhe de amor...
e ela disse que não.

Andei barbudo, sujo e descalço,
como um mona-ngamba.
Procuraram por mim
"-Não viu...(ai, não viu...?) não viu Benjamim?"
E perdido me deram no morro da Samba.

Para me distrair
levaram-me ao baile do Sô Januario
mas ela lá estava num canto a rir
contando o meu caso
as moças mais lindas do Bairro Operário.

Tocaram uma rumba - dancei com ela
e num passo maluco voamos na sala
qual uma estrela riscando o céu!
E a malta gritou: "Aí Benjamim !"
Olhei-a nos olhos - sorriu para mim
pedi-lhe um beijo - e ela disse que sim.

(Viriato Cruz)

Será que andam por aí os anjos?


Enquanto o PSD se entretém com candidaturas que aprecem e desaparecem (afinal de contas deitei boas contas à vida quando decidi desviar-me dos caminhos da política, depois de um início bem promissor), inicio o meu dia com uma caminhada junto ao mar. Não levo a câmara fotográfica e arrependo-me. Para além do mar se encontrar completamente alterado ao contrário do tempo estival, deparo-me com um pintor em fato de banho (tipo tanga), a pintar com certeza de memória a torre de Belém com um veleiro ao fundo. Paro para apreciar e certifico-me de que dali não se vê a Torre de Belém, menos ainda com todos aqueles pormenores. O veleiro sim, está por ali um bem parecido com o que se encontra na tela. Mas o que mais me espantou foi mesmo o facto de o homem ter a tela virada de pernas para o ar... Já vi muita coisa nesta vida. Já vi um canhoto a tocar guitarra para dextros, como se fosse a coisa mais normal deste mundo (esta é apenas uma das que me ocorre agora), mas um pintor a pintar a tela ao avesso... espera lá, agora que falo nisto recordo-me de ter visto em miúda, numa festa em Luanda, um sujeito a ler o jornal de pernas para o ar. Comecei a rir e a pensar que o homem sendo analfabeto estaria a fingir interessar-se e saber ler jornais... mas a dona da casa explicou-me então que se tratava de uma doença dos olhos que fazia com que as pessoas vissem do avesso, aquilo que os ditos normais vêem pelo direito... ainda bem que arranjei uma explicação para o facto. De qualquer modo, convenhamos que é um pouco inédito ver um homem na praia a pintar de tanga, um quadro de uma coisa que não está ali à sua frente. Mas que raio de mania a minha! Para que estou a estranhar um homem assim se passo a vida a fazer coisas que toda a gente acha estranhas?
Depois vou até à praia. Um dia perfeito. O mar alterado, repleto de surfistas e eu com centenas de metros de areia limpa só para mim... que delícia.
E por aqui me fico a aguarda os novos candidatos e descandidatos que vão aparecendo naquela coisa a que chamam partido político, que dá pelo nome de PSD e tem como imagem de marca umas setinhas a apontar para o céu? Será que é por ser um partido de anjinhos?

23 abril, 2008

I Can't Stop Lovin You - Ray Charles (clica aqui)

You can change your friends
Your place in life, you can change your mind
We can change things we say and do anytime
Oh no, but I think you'll find
That when you look inside your heart
Oh baby, I'll be there, yeah

Barbearia


Na barbearia às escuras
Júlio Chaúque foi barbeado
quando voltava da machamba de milho.
Os que viram
dizem que Júlio foi escanhoado
até às carótidas do colarinho
em requintes de gilete
dos facões de mato.
Os barbeiros do Chaúque
deixaram em toalhas de folhas secas
congruentes nódoas roxas.
(José Craveirinha)

Livros


E é assim que eu, que não gosto de dias internacionais, na maior parte das vezes para celebrar coisas que acontecem todos os dias e que são importantes apenas para meia dúzia, estou aqui, incluindo-me na meia dúzia que gosta de livros e que acha importante celebrar o dia internacional do livro, ou seja o dia internacional do amigo, porque não há nenhum amigo mais dedicado, mais desprendido, mais partilhado sem problemas do que o livro.
Aqui há uns anos foi tomada uma iniciativa que achei interessante. Deixavam-se livros em locais muito frequentados como transportes públicos, por exemplo. Só pega num livro quem gosta de ler. Podemos deixar um livro à vista dentro do carro, que muito dificilmente o veremos assaltado por causa de um livro. É dos objectos menos cobiçados por ladrões. Nem mesmo os ladrões de arte se dedicam ao furto de livros... o que é para mim uma coisa perfeitamente estranha, porque os livros são tão importantes quanto a pintura ou outra qualquer forma de arte. Com a vantagem de poderem ser transportados com facilidade e usados nas mais diversas circunstâncias.
Por exemplo, ninguém levará um quadro ou um piano para se entreter na praia. Já um livro... percebem o quero dizer? É verdade, estou a ponderar seriamente, tornar-me uma ladra de livros, logo que me aposente. Terei então todo o tempo do mundo para me dedicar a uma actividade muito mais lucrativa do que qualquer outra: é verdade que não vou ganhar dinheiro com os livros que roubar, mas ficarei com certeza infinitamente mais rica em saber...

22 abril, 2008

A Rosa - Marisa Monte (clica aqui)

Tu és divina e graciosa, estátua majestosa
Do amor, por Deus esculturada
E formada com ardor
Da alma da mais linda flor de mais ativo olor
Que na vida é preferida pelo beija-flor

Dias claros


Eu tenho os dias claros
de sucessivas luas de Setembro
e a noite que me impõe sinalizar
as direcções cruzadas das mensagens verticais.

Eu estou parado no meio do terreiro
pastado dos meus passos e da minha gente,
ando a ganhar noções de translaçãoe a medir,
pra meu governo, a cor do sol.

Eu entardeço, sobretudo, pouco atento ao vento
que não devo perturbar na sua rota alheia.
Permito, quando muito, que me sinta o cheiro
e deixo-o desfazer, furtivamente, molhos já secos de memória fêmea.

Eu finjo que não sei de elásticas tensões da claridade
e a cada passo meu faço estalar
membranas frias que a tarde debruou em rente azul.

Entendes, companheiro,
eu estou aqui sentado e nu
a procurar não ir além da bárbara carícia
de um olhar sem tacto

e que nem uma lágrima machuque
a capa muito fina da lembrança
que tenho para dar-te.

(Ruy Duarte Carvalho)

"Vou andar por aí"


Pois é. Consegui desfazer-me de mais alguns quilos de lixo. Até descobri coisas que funcionam e que eu nem sabia que tinha. Às vezes é como diz Chico César "coisas, são só coisas, servem só para tropeçar". Mas neste caso aquelas que servem só para tropeçar foram parar ao caixote do lixo e ponto final. Mas descobri que tenho uma bela lapiseira parker de que já nem me lembrava e que continua a escrever que é um primor. Aliás, encontrei duas, mas uma ofereci a uma pessoa por quem tenho um carinho muito especial. Dei porque me apeteceu. Podia ter escolhido outra pessoa qualquer, afinal tenho um carinho muito grande por quase toda a gente. Mas era ela que estava ali, na minha frente, como o seu ar frágil e desamparado... e gostei de lhe ter dado algo que ela vai poder guardar para o resto da vida como uma lembrança de alguém com quem trabalhou muitos anos e com quem nunca teve uma desavença séria. Mérito dela pois com certeza, porque eu de bom mesmo só tenho o cabelo. Pelo menos é o que diz a cabeleireira. E eu respondo que não sai à dona. É verdade. O meu cabelo tem muito bom feitio. Faz tudo o que lhe mandam. O meu cabelo, ao contrário de mim, é um rapazinho obediente.
E pronto. Aproveitei o bónus de uma tarde livre, para fazer aquilo que quase todas as mulheres gostam de fazer de vez em quando: ir à esteticista e ao cabeleireiro.
Quando cheguei a casa era cedo, arrumei alguma coisas pessoais que estavam nas gavetas que foram minhas durante quase 10 anos, gavetas que sempre guardaram muito bem os meus segredos, sem que fosse preciso usar uma chave para as trancar.
Depois dormi uma sesta tardia, e pronto. Amanhã é um outro dia. Há que levantar a cabeça e não ceder à lágrima fácil. Afinal não vou para a Lua.
Como diz o outro, vou andar por aí.

21 abril, 2008

Charmed Life - Diana Krall (clica aqui)

She's drivin' daddy's brand new car
She's usin' mama's master charge
She acts so nonchalant
But the girl gets everything she wants

O lamento do louco


Benvindo, o leitor, aos áticos
do meu cérebro quadrado
onde um milhão de soldados
solda, aí!, nada simpático;
mas, é coisa de lunático
(policialucinação?)
espremer esse esquadrão
que aos meus neurônios desata?
Espremedor de batatas!
Espremedor de limão!

(Urayoán Noel)

A escolha que se impõe


A quantidade de tralha/lixo que juntamos ao longo da vida é realmente qualquer coisa de inacreditável. Eu até nem sou de "guardar". Não presta vai para o lixo e pronto. Mas mesmo assim, quando toca a LIMPAR aqui por casa consigo sempre uns bons quilos de lixo.
No trabalho não há tempo para fazer limpezas. É verdade. Nem sequer tenho tempo para arrumar a legislação convenientemente (a ver se numas féria tenho pachorra de trazer as pastas para casa e arrumar como deve ser). Por agora vai continuando a ser metida nas pastas e tenho que fazer um esforço enorme quando tenho que encontrar alguma coisa. Tenho colegas que estão ali há mais de 30 anos e não têm nada. Dizem que nunca precisaram (se precisarem, sempre haverá alguma labrega como eu para ensinar) e não é agora que vão precisar... pontos de vista, métodos de trabalho, nesta altura do campeonato melhor para eles.
O facto é que estamos a preparar-nos para mudar de instalações e eu fui descobrir nas minhas gavetas, canetas giríssimas que me têm sido oferecidas ao longo da vida e que eu vou atirando para ali e que pura e simplesmente, não escrevem porque secaram. E outros instrumentos como calendários (o mais antigo é de 1999) com medidores de temperatura e outras chinesices que fui juntando ao longo dos anos. Eu mesma fico surpreendida com a quantidade enorme de lixo que juntei.
Por ora limitei-me a pôr tudo em sacos. A ver se amanhã antes de mudar ainda tenho tempo de fazer uma escolha. Que espero seja acertada.

20 abril, 2008

Here Comes the Sun - Nina Simone (clica aqui)

Here comes the sun, here comes the sun,
And I say it's all right
Little darling, it's been a long cold lonely winter
Little darling, it feels like years since it's been here
Here comes the sun, here comes the sun
And I say it's all right

Teorema



Passa da conta, a nossa tabuada.
Eu mais você, somados, somos um,
Pois, eu menos você, não resta nada;
nos anulamos, sem fator comum.
Buscando a solução,
recalculamos dilemas que dividem o infinito...
De tanto divergir, nos igualamos,
neste amor inexato, mas bonito.
(Bartolomeu Correia de Melo)

A liberdade de escolha



Muito se tem falado de divórcio e da maneira de simplificar procedimentos. Estou de acordo que, para haver casamento pelo menos duas pessoas têm de o querer. Já quanto ao divórcio a coisa fia mais fino. Porque a maioria dos casamentos acaba por vontade apenas de um e não de dois. E quase sempre esse um é mulher. Porque os homens são acomodados, lá conseguem ir levando a sua vidinha mansa, uma aventura aqui outra acolá... enfim, todos sabemos que as mulheres são quase sempre desrespeitadas pelos maridos mas, desde que não o saibam, tudo bem. O pior cego é que não quer ver e muitas mulheres não querem ver ou não se importam dos "affaires" dos maridos desde que em casa tudo continue a passar-se sem grandes sobressaltos.
É claro que o contrário também acontece. As mulheres traem os seus maridos. Só que, neste caso o que elas querem mesmo é acabar com o casamento, porque na generalidade e por uma questão cultural, as mulheres só se metem em aventuras quando estão apaixonadas e portanto quando o seu casamento já está acabado, embora ninguém (às vezes nem mesmo elas), tivessem dado por isso.
Esta é a generalidade dos casos.
No meu caso o casamento acabou porque eu quis. E não havia uma terceira pessoa. Havia era a consciência de que aquela união não tinha pernas para andar, que "não se ama alguém que não ouve a mesma canção), que não basta assistir ao parceiro dizer de espontânea vontade eu traí-te com fulana de tal, para que tudo fique bem. Às vezes, só a verdade não basta. Quando não existe amor, a verdade por si só não basta.
Não me foi fácil alcançar o divórcio. Os homens têm alguma dificuldade (ou tinham há 30 anos atrás) em aceitar o divórcio. Sentem-se assim a modos que derrotados, afinal ela vai-se embora, de mãos a abanar só porque se quer ver livre de mim o mais depressa possível. Afinal devo ser "um monte de merda" para que ela me faça uma coisa destas.
Neste sentido é bom que se facilitem as coisas. Um casamento feliz é algo difícil de alcançar, mas gramar uma vida inteira alguém, só por comodismo ou pelos filhos... não!
Arranjem lá uma maneira de facilitar a vida das pessoas que não pretendem ser infelizes o resto das suas vidas. Para que elas não tenham que perder muito do seu tempo em tribunais até conseguirem aquilo que desejam e que se trata de um direito fundamental: a liberdade de escolha.

19 abril, 2008

O Que Faz Falta - Jose Afonso (clica aqui)

Quando um homem dorme na valeta
O que faz falta
Quando dizem que isto é tudo treta
O que faz falta

O que faz falta é agitar a malta
O que faz falta
O que faz falta é libertar a malta
O que faz falta


Isto


E há também o que vai a enterros
para promover sua saúde.
E o que compra a beleza
para parecer pródigo de luz.
E o que dá esmolas
para salvar-se no espelho.
E o que faz versos
para vingar-se.

(Manoel Carlos)

A idade não perdoa


Não sou do tipo de pessoa capaz de reconhecer outra depois de vários anos sem a ver... já tenho passado maus bocados à conta disso. Uma pessoa fica assim, a modos que sem saber onde se meter. Mas hoje foi a minha vez de reconhecer alguém que não me reconhecia. Estava a pagar a conta numa frutaria onde costumo fazer compras quando olhei para a fila que atrás de mim se formava (aquilo ao sábado de manhã depois das 9.30 começa a ficar impossível), quando a vi. F com quem trabalhei vários anos, lado a lado e que de repente ficou viúva e rica sem suspeitar que o marido tinha uma pequena fortuna amealhada. O suficiente para ela se aposentar (bons tempos esses F, se fosse hoje estavas lixada) e comprar um negócio que é das melhores coisas para ganhar dinheiro hoje em Portugal. Um lar para idosos. O lar é uma vivenda com piscina, onde cada velho em quartos de 2 pessoas paga uma pequena fortuna. Uma das desculpas para se pagar tanto dinheiro é o privilégio da piscina, que de resto eles não usam porque manter uma piscina limpa custa dinheiro e F, de quem gosto muito aliás, não é pessoa para deitar dinheiro fora. De modos que o lar é usado essencialmente por pessoas que vivem com a família e que, tendo dinheiro para tanto, quando vão de férias depositam os velhos ali, de consciência limpa, que o lar até tem piscina. Se calhar alguns até terão a secreta esperança de que o familiar se afogue na dita cuja (é claro que esta piada é de mau gosto e só é dita porque eu sou mázinha e penso que toda a gente é como eu). Eu bem sei que o mundo é composto de gente muito, muito boa, capaz de todos os sacrifícios por todos os seus semelhantes... mas há as excepções como eu que só servem para confirmar a regra. Gente que só está disposta a dar tudo por aqueles a quem ama e a quem admira.
Só para terminar: F só me reconheceu pelo sorriso. Senti que devo estar muito velha, embora ela me tenha dito que a diferença estava no cabelo... mas como ela já me conheceu de cabelo comprido, quase careca e hoje o tenho a meio termo, não me parece que seja por aí. Devo estar gorda e velha. A idade não perdoa. É o que é.

18 abril, 2008

Pensar Em Você - Chico Cesar (clica aqui)

Se a chuva cai e o sol não sai
Penso em você
Vontade de viver mais
Em paz com o mundo e consigo



A imaginação é fértil


A imaginação é fértil
A carne é fraca
O sonho é pouco
A voz é baixa
A vida é valiosa
O grito é rouco
A palavra é escura
A poesia é clara.
(Valter Figueira)

Um país pequeno com pequenas fraudes.


Há 4 anos um homem, assalta "a solo" agências bancárias, e se calhar não só... as câmara de vigilância estão lá, dão conta das entradas e saídas do homem mas ninguém sabe quem é. Há cerca de um mês um miúdo de pouco mais de 20 anos foi morto num parque de estacionamento de um centro comercial. O vigilante não fez nada. Segundo as declarações que ouvi do responsável, competia-lhe apenas olhar pelas câmaras. Pelos vistos nem se apercebeu que havia gente a praticar o moderníssimo car jacking... que nome sonante, mon dieu. Até parece que estamos em N. York city, ou em Chicago, no meio de mafiosos importantes...
Pelos vistos são mesmo importantes. Os repórteres conseguem falar com eles mas a polícia não consegue apanhá-los... Porque não trocam de profissão, polícias e jornalistas... ou porque é que a polícia não dá nas suas escolas a cadeira de jornalismo de investigação (não sei se existe, mas se não existe, há-de haver algo de muito semelhante) para que a polícia consiga chegar aos bandidos tão depressa quanto os jornalistas?
Portanto, como eu mesma já suspeitava, as câmaras de vigilância são uma fraude. Na prática não servem para nada senão para que as pessoas que as vêem se sintam mais seguras... Quando fui assaltada à entrada do comboio na estação do Cais do Sodré, as câmara estavam lá. Só que pelos vistos estariam desligadas, uma vez que depois de ter apresentado queixa na PSP da CP de Oeiras, não apareceu nunca nenhuma fita gravada naquele comboio àquela hora...
É apenas mais uma fraude num país cheio delas. Desde o governo à oposição, este país é uma fraude. Onde se paga para matar e se recebe , além da pena de cadeia, uma pequena fortuna. Senão como se pagariam os assassinos, não é?

17 abril, 2008

Mentiras - Adriana Calcanhoto (clica aqui)

Nada ficou no lugar
Eu quero entregar suas mentiras
Eu vou invadir sua alma
Queria falar sua língua...
Eu vou publicar os seus segredos
Eu vou mergulhar sua guia
Eu vou derramar nos seus planos
O resto da minha alegria...
Que é pra ver se você volta,
Que é pra ver se você vem,
Que é pra ver se você olha,
Pra mim

Finca pé


Nacionalismo é finca-pé.
É como o amor contrariado:
quanto mais se conbate e a família persegue...
mais se ama, mais se quer.

Reforma agrária é finca-pé,
Não adianta falar, nem dizer os defeitos...
se algum mal contém...
Gente assim apaixonada não escuta ninguém.


Precisando lutar — luta-se.
Precisando morrer, — morre-se.
Pode-se tudo fazer menos desistir.


Coragem, idealismo, confiança.
Certeza de um futuro melhor:
de homem, de mulher, de criança.


Eu também sou finca-pé.
E você, meu amigo,
porventura... não é?



(Fernanda Brito)

Não me tenho dado mal...


O dia a dia de cada um de nós raramente é fácil. Problemas todos temos (só a bailarina é que não tem) como diz Chico Buarque. E é preciso ter jogo de cintura, para ir levando a vida sem nos aborrecermos demais. Geralmente as mulheres são melhores neste tipo de jogo do que os homens. Talvez porque tenham sido paus mandados dos homens durante anos, aprenderam a fazer com que eles pensassem que mandam de verdade... e lá vão fazendo o que querem com mais ou menos dificuldade.
Às vezes é preciso aproveitar esta inteligência fora de casa. É muito mais fácil "dar a volta" a um homem do que a uma mulher. Porque elas têm uma perspicácia que faz com que se pense que são mais inteligentes... não acho que sejam. Mas são com certeza mestras na arte de "enganar". E ainda bem, porque o mundo está cheio de gente que quer mandar e, se há ainda alguns que gostam de ser mandados, a maior parte de nós não gosta. Então o que há a fazer é muito simples. Quando nos dão uma ordem com que não concordamos, mas sabemos de antemão que nem vale a pena questionar, mostrar que aquela não é a melhor solução, então o melhor é dizer sim. Eu aprendi a dizer sim à maior parte das pessoas... mas como diz a minha mãe só faço mesmo aquilo que quero... desde pequena. E não me tenho dado mal.

16 abril, 2008

Under Pressure - Joss Stone (clica aqui)

'Cause love's such an old fashioned word
And love dares you to care for
The people on the edge of the night
And loves dares you to change our way of
Caring about ourselves
This is our last dance
This is ourselves
Under pressure
Under pressure
Pressure

Não é o ângulo reto que me atrai


Não é o ângulo reto que me atrai
nem a linha reta, dura, inflexível,
criada pelo homem.
O que me atrai é a curva livre e sensual,
a curva que encontro nas montanhas
do meu país,
no curso sinuoso dos seus rios,
nas ondas do mar,
no corpo da mulher preferida.
De curvas é feito todo o universo,
o universo curvo de Einstein.

(Oscar Niemayer)

Até ficar afónica... a minha querida dona Conceição!


A dona Conceição nasceu numa pequena aldeia para os lados de Castelo Branco. A Catraia Pequena. A dona Conceição saiu da Catraia há muitos anos, veio para Lisboa, seguiu o marido para África, voltou, o marido reformou-se e ela fazia limpezas... foi assim que conheci a dona Conceição. Fazia limpezas no meu serviço. A bem dizer o que ela fazia mesmo de verdade era "dar à língua" como ela mesmo diz.
Não precisava de trabalhar, como ela mesmo dizia, mas precisava de dar à língua. Por isso às vezes quando eu chegava ao serviço tinha que lhe chamar à atenção, assim como quem não quer a coisa para o que estava por limpar. Ela ria, dava-me razão e lá limpava um bocadinho enquanto desenferrujava a língua.
A dona Conceição mal sabe ler e escrever mas sabe falar... e gosta de falar. Como gosta!
Tinha um terreno ali para o Lumiar onde cultivava umas hortaliças e tinha alguns animais. De vez em quando levava-me legumes e ovos. Acho que era para compensar as horas que eu lhe dava a atenção que ela requeria.
A dona Conceição desistiu de trabalhar há 3 anos e hoje foi visitar-me. Disse-me que se arrependimento matasse já estava morta há muito tempo. Que o marido a mete lá na Catraia onde quase não há habitantes e onde ela não tem com quem desenferrujar a língua. Mostrou-me as mãos. Mãos de quem trabalha a terra, de quem pega na enxada, de quem é obrigada a fazer algo que detesta porque está casada com um homem que gosta da terra. Da terra que ela não gosta. Ela que tem uma casa no Algarve e de que não se goza porque o marido a quer perto dele, ali mesmo na Catraia.
Gostei de ver a dona Conceição. Que chorou quando me abraçou, que me perguntou pelo neto, porque ainda não sabia que já tenho dois...
Tenho pena da dona Conceição. Agora podia estar sossegada a dar à língua em vez de estar a cavar a terra com o marido... é que ela coitada nasceu no sítio errado. A mulher devia era ter nascido em Lisboa, num bairro bem popular, onde ela pudesse desenferrujar a língua o dia todo, todos os dias, até ficar afónica.

15 abril, 2008

O Poeta Aprendiz - Adriana Calcanhoto (clica aqui)


Ele era um menino
Valente e caprino
Um pequeno infante
Sadio e grimpante
Anos tinha dez
E asas nos pés
Com chumbo e bodoque
Era plic e ploc
O olhar verde gaio
Parecia um raio
Para tangerina
Pião ou menina

Quando eu for grande


Quando eu for grande quero ser
Um bichinho pequenino
P´ra me poder aquecer
Na mão de qualquer menino

Quando eu for grande quero ser
Mais pequeno que uma noz
P´ra tudo o que eu sou caber
Na mão de qualquer de vós

Quando eu for grande quero ser
Uma laje de granito
Tudo em mim se pode erguer
Quando me pisam não grito

Quando eu for grande quero ser
Uma pedra do asfalto
O que lá estou a fazer
Só se nota quando falto

Quando eu for grande quero ser
Ponte de uma a outra margem
Para unir sem escolher
E servir só de passagem

Quando eu for grande quero ser
Como o rio dessa ponte
Nunca parar de correr
Sem nunca esquecer a fonte

Quando eu for grande quero ser
Um bichinho pequenino
Quando eu for grande quero ser
Mais pequeno que uma noz

Quando eu for grande quero ser
Uma laje de granito
Quando eu for grande quero ser
Uma pedra do asfalto

Quando eu for grande...
Quando eu for grande...

Quando eu for grande quero ter
O tamanho que não tenho
P´ra nunca deixar de ser
Do meu exacto tamanho

(José Mário Branco)

O país que tenho...


Há uns dias ouvi Jerónimo de Sousa dizer que nem sempre se consegue alguma coisa lutando... mas que não lutando não se consegue mesmo nada. Estou plenamente de acordo. O que me chateia neste país é a (in)acção dos sindicatos.
Vejamos o caso dos professores.
Cerca de 100.000 saíram à rua. Um número mais do que expressivo, sobretudo se tivermos em conta que se trata apenas de uma classe profissional.
Depois disto, os sindicatos pouco conseguem junto do governo. Não aproveitam a oportunidade... que nem foram eles que criaram. Porque a verdade se a quisermos encarar de frente, é que foi a classe que se uniu. Não precisou de sindicatos para coisa nenhuma.
Eu gosto tanto de sindicatos quanto de governos. Hay sindicatos? Soy contra! Hai gobierno? Soy contra.
Está provado que a união faz a força. E os sindicalistas que temos deixam muito a desejar. Se retirarmos Ana Avoila e Bettencourt Picanço, o que resta? Um bando de fulanos que se agacha... Até o Picanço, vejamos, também já o temos visto agachar-se.
Resta Ana Avoila, uma espécie de padeira de Aljubarrota da palvra sindicalista.
Uma tristeza de país, com uma tristeza de sindicatos e com uma tristeza de sindicalistas...
É o que é!

14 abril, 2008

Sangue de beirona - Cesária Evora (clica aqui)

Si sangue de Beirona é sim' sabe
Ta ba panha 'l
Ê La na fundo di Ladera
Sangue de Beirona
Sangue de Beirona
El é sabe
El é doce

Sei que aos 30...


Sei que aos 30,
já a velhice me alcançou
e a vida me venceu.
E há muito tempo que caí de medo.
Há muito tempo que arde
na fogueira a chama da vida.
O fumo
que dela sai,
confunde-se com as nuvens no céu,
confunde-se comigo.


(Ana Branco)

Às mulheres africanas que gostam de o ser


A semana passada vi uma cena que me encheu de ternura e que não via há muitos, muitos anos, assim ao vivo e a cores. Uma mulher africana (provavelmente angolana) vestida à ocidental, aparentando mais de 30 anos, transportava às costas um bebé preso com um pano como se usa em Angola. Ou usava, já que nas imagens que costumo ver na televisão não é frequente ver este tipo de transporte de crianças...
Digo muitas vezes a quem não esteve em África que não me lembro de ver uma criança angolana chorar por birra. Só choravam por fome ou por dor. E sempre tive cá para mim que esse facto se deve ao facto de terem uma proximidade pele com pele durante tanto tempo com a mãe.
Parece que estou a ver a Domingas, lavadeira de uma das minhas vizinhas, no tanque a esfregar roupa, com o filho às costas e ela com um cigarro de liamba na boca.
São cenas que ficam para sempre.
Acontece que, por coincidência tenho andado a remexer em fotos antigas e encontrei algumas com mais de 50 anos (não era eu nascida, portanto) tiradas pelo meu pai em Angola. Numa dessas fotos aparece justamente uma mulher com o filho às costas.
É a foto que publico hoje e que dedico a toas as mulheres africanas que, apesar da "evolução ocidental", não abdicam dos bons hábitos culturais e da sua tradição.

13 abril, 2008

Cantigas de Amor -Radio Macau (clica aqui)

Preferias que cantasse noutro tom
Que te pintasse o mundo de outra cor
Que te pusesse aos pés um mundo bom
Que te jurasse amor, o eterno amor

Sei um ninho


Sei um ninho.
E o ninho tem um ovo.
E o ovo, redondinho,
Tem lá dentro um passarinho
Novo.

Mas escusam de me atentar:
Nem o tiro, nem o ensino.
Quero ser um bom menino
E guardar
Este segredo comigo.
E ter depois um amigo
Que faça o pino
A voar...

(Miguel Torga)

Sobre a violência do dia a dia.

Zapatero no seu programa eleitoral propõe, entre outras coisas, acabar com a violência contra as mulheres. O problema é mundial mas em Espanha há muito que se tenta fazer algo para acabar com o problema.
É claro, todos sabemos, que existe também imensa violência sobre as crianças e alguma sobre homens. Mas as mulheres e as crianças são sem dúvida o alvo preferido por serem mais frágeis e mais indefesos.
Ainda ontem tive uma pequena altercação (porque pus os pontos nos is) com o um indivíduo que se deve achar o dono do mundo porque tem um mercedes. Mas assim que me ouviu levantar a voz, não ousou sequer levantar a voz ou soltar palavrões, como também é hábito destes machos, muito machos, que não se metem com gente do seu tamanho... é o metes!
Mas o meu conselho para todas as mulheres vítimas de violência física ou verbal é que não se assustem. Respondam nas mesma moeda.
O meu ex marido ousou um dia levantar-me a mão, estava eu grávida do meu primeiro filho. Olhei em volta e o que estava mais à mão era um candeeiro. Pois foi com ele que me defendi, partindo-lhe o dito cujo na cabeça. Foi remédio santo. Nunca mais ousou levantar-me a mão... tal como o sujeito de ontem que teria com certeza ido mais longe se eu me acobardasse. Acontece que quem é capaz deste tipo de acção é que é um verdadeiro cobarde, portanto não há que ter medo. Reagir de imediato é o melhor que há a fazer...
Foi assim que consegui que o meu dia de ontem não fosse estragado.

12 abril, 2008

You Go To My Head - Diana Krall (clica aqui)

You go to my head with a smile that makes my
temperature rise
Like a summer with a thousand Julys
You intoxicate my soul with your eyes
Though I'm certain that this heart of mine
Hasn't a ghost of a chance in this crazy romance

Virás comigo,


disse sem que ninguém soubesse onde e
como pulsava meu estado doloroso
e para mim não havia cravo nem barcarola,
nada senão uma ferida pelo amor aberta.
Repeti: vem comigo, como se morresse,
e ninguém viu em minha boca a lua que sangrava,
ninguém viu aquele sangue que subia ao silêncio.
Oh, amor, agora esqueçamos a estrela com pontas!
Por isso quando ouvi que tua voz repetia
"Virás comigo",
foi como se desatasses
dor, amor, a fúria do vinho encarcerado
que da sua
cantina submergida soubesse
e outra
vez em minha boca senti um sabor de chama,
de sangue
e cravos, de pedra e queimadura.
(Pablo Neruda)